Humorista tinha 80 anos e, em 63 de carreira, criou 209 personagens e imortalizou alguns dos bordões mais populares da televisão brasileira
No começo de 2011, Chico passou três meses hospitalizado por causa de dor no peito. Na ocasião, ele foi submetido a uma angioplastia para desobstrução de artéria, seguida de uma traqueostomia e uma endoscopia.
Os muitos tipos criados e interpretados por Chico Anysio ao longo dos 63 anos de carreira, mais do que fazer rir explicitavam aspectos vergonhosos da sociedade brasileira. Na galeria de 209 tipos cômicos – número apontado em seu site –, é possível detectar a prática do coronelismo, o culto à celebridade, o populismo, a confusão entre esferas pública e privada, a corrupção, o analfabetismo, a diferença entre ricos e pobres, entre outras mazelas políticas e sociais. Boa parte deles foi apresentado ao público entre 1973 e 1980, durante o programa Chico City. A atração foi a primeira da longeva carreira televisiva de Chico, que teve início em 1957 com o programa Noite de Gala, da TV Rio. Onze anos depois, em 1968, o humorista entraria para o elenco da Globo. Entre 1982 e 1990, ele apresentou o Chico Anysio Show.
No início dos anos 70, a crítica política e social também se tornava foco do humor, na Inglaterra, com a estreia da série cômica Monthy Python. Por aqui, Chico Anysio e Jô Soares seguiam a tendência de zombar do conservadorismo político. “Em algumas épocas, sobretudo as de forte censura, o humor funcionou como válvula de escape, já que possui vocação intrínseca para revelar verdades escondidas sob o véu da mera diversão”, diz Elias Thomé Saliba, titular de teoria da história da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro As Raízes do Riso (editora Companhia das Letras, 366 páginas), em reportagem publicada no site de VEJA.
Precedidos por José Vasconcelos, tanto Chico Anysio, com Chico Anysio Show, quanto Jô Soares, com Viva o Gordo, transformaram a fórmula em apresentações ao vivo concorridas. Sobre o palco, diante do microfone, os dois destrinchavam o repertório de crítica política e social travestida de humor. O formato é idêntico à vigente comédia stand-up, praticada por humoristas jovens que fazem sucesso ao satirizar aspectos do cotidiano e celebridades.
Em suas últimas aparições públicas, Chico Anysio reclamou da geladeira a que foi submetido pela TV Globo. "De 1957, quando entrei na televisão, até 2002, quando extinguiram meus programas, sempre fui líder de audiência. Não sabia o que tinha feito de errado. Passei dias pensando em todos os diretores da Globo, um por um, para tentar chegar a quem teria me boicotado. Também pensei que os irmãos Marinho não gostavam de mim. Se o pai deles [Roberto Marinho, fundador da Rede Globo] estivesse vivo, eu não teria saído do ar", disse Anysio em entrevista à revista VEJA.
O criticismo ferrenho que sempre direcionou a políticos mirou, ultimamente, o próprio humor brasileiro televisivo. "Quero ver criarem fenômenos duradouros, capazes de lançar bordões que se repitam nas ruas, como faço."
Programa realizado ao lado de Arnaud Rodrigues, seu parceiro na dupla Baiano e os Novos Caetanos, que satirizava os músicos saídos da Bahia nas décadas de 1960 e 70
Início de carreira – Anysio gostava de contar que havia virado ator por acaso, por ter “esquecido o tênis”. Aos 15 anos de idade, depois de se mudar para o Rio de Janeiro, seu sonho era ser jogador de futebol. Uma tarde, quando foi em casa buscar o par de tênis que havia se esquecido de levar para uma partida com amigos, encontrou a irmã Lupe saindo para um teste na rádio Guanabara. Ele deixou o futebol de lado e seguiu com a irmã. Fez dois testes, um para rádio-ator e outro para locutor. Foi aprovado em ambos. A atuação como humorista começou em um show de calouros – onde Anysio imitou as vozes de 32 famosos, fazendo piada com cada um, e ficou atrás apenas de Silvio Santos, que mais tarde viria a ser o dono do canal SBT. Ganhou 150.000 réis, que se converteram em uma bicicleta, entregue como presente para o irmão Zelito, sete anos mais novo. Segundo contou em seu site, o comediante ganharia todos os programas de calouros do Rio, o que faria dele um convidado proibido nessas atrações. Ele seguiria então para São Paulo, onde também venceria todos os desafios. Mais uma vez vetado nos programas, chegou a pensar em ser advogado criminalista, quando apareceu um teste para humorista da rádio Guanabara, onde Anysio estrearia como comediante em 1949. “Perdi a minha chance de ser um Tarcísio Meira”, brincou ele.
No ano seguinte, a convite de Haroldo Barbosa, iria para a rádio Mayrink Veiga, onde deu vida ao Professor Raymundo, protagonista criado por Barbosa para o quadro que encerrava o programa A Cidade se Diverte, às quartas. Em vez de “E o salário, ó...”, o catedrático terminava a atração com o bordão “Vai comendo, Raymundo. Quem mandou tu vim do norte?”.
“Daí em diante, o personagem ficou sendo meu”, contou Anysio em seu site. “Haroldo me deu o direito de utilizá-lo onde e como quisesse.” Na Globo, o personagem, que participaria de diversos programas, estreou em Balança, Mas Não Cai, dirigido por Lucio Mauro. No início, o mestre submetia seus alunos a sabatinas. A partir de 1974, no Chico City, passou a dar aulas. Mais adiante, assumiria a sua função de tirar do esquecimento grandes nomes da comédia. “Duas falas para cada um e estava resolvido”, dizia Anysio.
Além de Professor Raymundo, Anysio deu vida a personagens impagáveis como Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, o malandro Azambuja, o boleiro trôpego Coalhada, o funcionário público Nazareno e o Baiano, sátira dos músicos saídos da Bahia que fizeram sucesso nos anos 1960 e 1970.
Artista completo, o comediante escrevia os textos que interpretava. No rádio, além das estações Guanabara e da Mayrink Veiga, trabalhou nas rádios Clube de Pernambuco e Clube do Brasil. Ele também atuou em cinema – com papéis em chanchadas da Atlântida – e se aventurou pela literatura e pela pintura.
Chico Anysio deixa esposa, a empresária Malga Di Paula, e sete filhos de seis casamentos – entre eles o comediante Bruno Mazzeo, do casamento com a ex-modelo e atriz Alcione Mazzeo, o adotivo André Lucas, e Rodrigo e Vitória, da união com a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello.
Nenhum comentário:
Postar um comentário