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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Guerra de Guerrilhas - A Wehrmacht acossada - Guerrilha na Europa


Em 1943 a luta adquire para a Alemanha o caráter de uma verdadeira guerra total, que já não permite trégua nem quartel. A partir daí, enquanto vai sendo abandonado pelos seus aliados, o III Reich se vê obrigado a lutar em todas as frentes, latitudes e dimensões: guerra em terra, mar e ar.



Uma luta que já não terá pausa até à rendição final; nas frentes de batalha os exércitos alemães são arrasados e exauridos, enquanto suas indústrias e o moral da retaguarda distante se esboroam paulatinamente sob devastadores bombardeios da aviação anglo-americana. Logo, porém, a retaguarda das frentes de batalha, as vias férreas e as estradas que unem os exércitos combatentes aos centros de produção e abastecimento ficam também submetidas a incessantes ataques guerrilheiros. Controlando grandes extensões de terreno, os civis armados atacam comboios e transportes, mandam pelos ares pontes e centrais de transmissões e constituem ameaça constante para as tropas alemãs acantonadas.





A guerra não terminou



Os movimentos clandestinos tinham a finalidade de opor resistência ao invasor; surgiram em toda a Europa invadida, quase no dia seguinte à rendição ou derrota dos exércitos de seus países. Já se descreveu como os soldados poloneses, vencidos e dispersados, escondiam as armas ainda quentes, fuzis, metralhadoras e granadas, com a secreta esperança de utilizá-los algum dia contra os invasores do país. Já descrevemos também os métodos e táticas do "Armija Krajova", o Exército da Pátria, que atuando na clandestinidade, em meio a permanente risco mortal, conseguiu manter-se em pé de guerra formando numerosa força combatente bem armada e bem treinada. Assim, durante muitos meses fustigou ps forças de ocupação alemães, para culminar sua trajetória na sublevação de Varsóvia, num dos episódios mais trágicos da Segunda Guerra Mundial.



A mesma têmpera, os mesmos métodos e táticas, a mesma vontade de prosseguir a luta contra os ocupantes, animava os ex-membros dos exércitos vencidos pela Blitzkrieg alemã nos campos de batalha "convencionais". Uma intrincada rede de agentes cobriu a partir de 1940 os territórios da Dinamarca e da Noruega e logo depois da Holanda, Bélgica, França, Grécia e Iugoslávia. Graças à temerária atividade desses agentes, às vezes à custa da própria vida, o Estado-Maior britânico conseguiu ter a todo memento valiosíssimos informes dos movimentos inimigos, de suas intenções e de seu dispositivo bélico.



Outra importante missão dos "resistentes" era facilitar a fuga de personalidades políticas e militares perseguidas pelos autoridades de ocupação. O "viajante" passava de esconderijo em esconderijo, sempre nas mãos dos homens da Resistência, que formavam uma "corrente" até à costa. Ali outros membros da organização aproveitariam a primeira noite propícia para escapar à vigilância alemã nas praias e em alto mar e levar o fugitivo para as costas britânicas. Milhares de oficiais e soldados, franceses, noruegueses e poloneses, viveram essa aventura para incorporar-se às forças que se agrupavam na Inglaterra e prosseguir em luta contra o inimigo comum. Em cada um deles sentia-se entranhada e tese degaullista: "O país perdeu uma batalha, mas não a guerra".



Esses movimentos tiveram desde o início uma importância moral como expressão da força de vontade da Europa ocupada. Porém, na maioria dos países, pelo menos durante os primeiros anos da guerra, as atividades guerrilheiras se limitaram, além das missões de espionagem e de informação, a ocasionais atos de sabotagem e a operações de represália; tais atos desencadeavam a reação dos ocupantes, que em resposta multiplicavam as execuções de reféns, numa tentativa de intimidar os "resistentes". A proporção de reféns fuzilados como represália à morte de um soldado alemão variava dentro de um mesmo país de uma circunscrição a outra: as autoridades podiam "taxar" em 10 ou 20 franceses a vida de um alemão no sul da França e elevá-la a 100 ou 200 na região parisiense, ou mesmo chegar a 966 (todos os homens, mulheres e crianças do povoado), como no caso da localidade francesa de Oradour-sur-Marne.



De qualquer modo, desde o princípio da guerra até o fim da batalha de Stalingrado foi relativamente pequena a contribuição da Resistência ao esforço aliado na Europa ocidental; praticamente nula, ainda, a sua influência na estratégia conjunta. Porém, com a derrota do General Paulus e do seu 6o Exército nas margens do Volga, a Alemanha viu-se obrigado a aumentar as contribuições dos países submetidos e a incrementar o recrutamento de seus homens para a sua produção industrial. Essas medidas geraram descontentamento mesmo naqueles que consideravam a ocupação alemã como um mal apesar de tudo tolerável. Daí em diante quem quisesse escapar às levas de "voluntários" que iam trabalhar no Reich não tinha outra saída senão unir-se aos "maquis". A Resistência, com suas fileiras consideravelmente engrossadas, pôde desenvolver uma atividade muito maior que no passado, chegando a se converter num fator de ponderável importância militar dentro da estratégia aliada. Muito diferente foi o curso dos acontecimentos nos países ocupados da Europa Oriental. Na Polônia, Grécia, Iugoslávia e Rússia, graças talvez à configuração geográfica, extensas zonas permaneceram nas mãos dos guerrilheiros durante toda a guerra. As tropas alemãs somente podiam penetrar nelas quando apresentassem esmagadora superioridade numérica e material sobre as guerrilhas, que nesses casos optavam pela prudente retirada, reagrupando-se em outra parte para ali continuar a luta.



Em suas memórias o General Tippelskirch, que conduziu o 4o Exército alemão em retirada na Bielo-Rússia durante o verão de 1942, oferece um testemunho da situação quando afirma "que vasta extensão de bosques e pântanos entre o Dnieper e as imediações de Minsk esteve sempre controlada pelos partisans e que jamais, no decorrer de três anos, pôde ser limpa, e muito menos ocupada pelas tropas alemãs". Os bandos de guerrilheiros chegaram a contar com centenas de milhares de homens; desempenharam com perfeição o papel de "segunda frente perpétua" ao longo e ao largo da retaguarda alemã, impedindo ao Alto-Comando da Wehrmacht concentrar na frente do leste todos os recursos humanos de que dispunha. De fato, em inúmeras ocasiões o OKW teve que empregar parte das reservas estratégicas, e até retirar unidades da frente, para reforçar as forças especiais encarregadas de proteger as linhas de comunicações, permanentemente empenhadas numa luta implacável contra um inimigo que nutria absoluto desdém pelas regras da tática militar.



Uma guerra "diferente"



Ao amanhecer de 22 de junho de 1941, por ordem do seu comandante-chefe, Adolf Hitler, a Wehrmacht iniciou a operação "Barba Vermelha" segundo planos longamente estudados e calculados pelo Alto Estado-Maior alemão. Essa operação haveria de conduzir, em alguns meses, à destruição do poder soviético.



As espetaculares vitórias das primeiras semanas pareciam justificar qualquer otimismo; surpreendidos e destruídos em terra centenas de aviões russos, a Luftwaffe não encontrava oposição nos céus; o grosso das forças blindadas soviéticas foi destruído pela ação conjunta da aviação e de unidades encouraçadas; divisões russas e mesmo corpos de exército inteiros batiam desordenadamente em retirada para o leste, vencidos e desalojados pela manobra alemã; centenas de milhares de soldados russos eram apanhados em gigantescas "bolsas" que os atacantes deixavam para trás sem deter o seu avanço, pois sabiam que atrás viriam outras forças que se encarregariam de aniquilar os sitiados; intermináveis colunas de prisioneiros se arrastavam lentamente num êxodo para o oeste, para as fronteiras do Reich, cada vez mais distantes. O avanço fulminante havia colocado Leningrado, Moscou e Kiev - as três mais importantes cidades inimigas - a um tiro de canhão das tropas alemãs.



Porém, apesar de tudo, e nisto estão de acordo quase todos os escritores que estudaram a campanha da Rússia, os soldados vitoriosos tiveram desde o princípio a impressão que aquela guerra ia ser "diferente". Essa impressão crescia ao ver-se as unidades russas, aparentemente desmoralizadas após serem batidas uma e outra vez, repentinamente se voltarem e disputarem o terreno lutando até o último cartucho. Ou ao presenciar-se como as tropas, cercadas por forças superiores, em lugar de render-se como impunha o bom senso e as circunstâncias se dispersavam em bandos que abriam caminho rumo às distantes linhas russas ou desapareciam nos bosques, onde sua presença se traduziria em assaltos a patrulhas e comboios alemães isolados.



"Querem uma guerra de extermínio? Pois a terão!"



A 3 de julho, 15 dias depois da invasão alemã, o ditador russo, Stalin, emitiu num discurso as seguintes instruções: "... Nos territórios ocupados devem ser formadas unidades de guerrilheiros... É preciso criar muitos grupos para combater as unidades inimigas, para estender a luta de guerrilhas a toda parte...".



A ação dos grupos que lutavam na retaguarda começou a se fazer sentir em escala apreciável na última ofensiva alemã do outono de 1941, no fracassado ataque frontal contra Moscou. Muitos comentaristas alemães citam as dificuldades de abastecimento de suas tropas combatentes, devido às sabotagens dos guerrilheiros; Otto Skorzeny, o homem que resgatou Mussolini em 1943, descreve em seu livro autobiográfico Viver Perigosamente várias cenas que espelham o que sucedia atrás das linhas alemães. Mostra principalmente o clima obsessivo que reinava nas suas fileiras durante a retirada após a contra-ofensiva russa de inverno. Aqui estão dois trechos do livro: "... Nosso período de descanso foi anulado e nos apressamos a cumprir a ordem recebida. A defesa do nosso novo setor apresentou-se mais áspera do que pensávamos. As colinas em frente eram cobertas de bosques espessos e os russos nos mostraram pela primeira vez a sua tática de ataques noturnos. Deslizavam entre nossas linhas em pequenos grupos; depois se reuniam num ponto determinado e nos atacavam pelas costas, de surpresa, onde menos esperávamos. Todas as noites se multiplicavam os ataques, o que nos obrigava a reforçar nossas posições com patrulhas que não tinham um só momento de descanso.



"Aqueles ataques noturnos demonstraram o perfeito adestramento dos combatentes russos. Moviam-se dentro da noite com a mesma segurança que durante o dia, atacavam com todos os meios à disposição e lutavam como leões. Quando achavam conveniente, metiam-se nos bosques e desapareciam. Por esta razão os bosques se converteram em "tabu" para nós. Aquela nova tática dos russos proporcionou-lhes ótimos resultados, ocasionando-nos baixas incontáveis. Somente conseguimos anulá-la ao concluir que devíamos reforçar nossa vigilância noturna, descobrir as zonas onde eles se reuniam e ataca-los..."



Skorzeny continua mais adiante: "... Mas, apesar da quantidade de prisioneiros que fazíamos, nunca pudemos limpar por completo os bosques espessos nas imediações da "bolsa" e tampouco conseguíamos nos apoderar do material de guerra que os russos abandonavam neles.



"Durante o transcurso do inverno seguinte, os soviéticos enviaram àqueles bosques várias patrulhas bem treinadas que puderam resgatar todo o material abandonado. Essas patrulhas se infiltravam através das nossas linhas amparadas na escuridão da noite. Em muitas ocasiões foram lançadas por aviões que voavam a baixa altura, o que permitia aos homens saltar sobre o neve espessa sem pára-quedas (sic). Quando menos esperávamos, estava formada uma poderosa força russa munida das armas mais modernas e eficazes, inclusive tanques, imediatamente atrás da frente alemã. Aquela força, altamente eficiente, interveio em todos os combates dando-nos muito trabalho.



"A rota que levava de Juchnow a Gshatks atravessava na sua maior parte bosques fechados. Somente podíamos percorrê-la com poderosas formações, pois várias tropas russas, que se haviam negado a render-se, tornavam nossa vida impossível. De outra feita, quando chegamos a Gshatks, começamos a marchar pela auto-estrada Smolensk-Moscou. Corriam as primeiras semanas do mês de outubro. Encontramos um cruzamento fortemente defendido e tivemos que manter uma dupla frente... Em certa ocasião, inesperadamente, os russos que estavam cercados na "bolsa" de Viasma nos atacaram pelo leste. E noutra vez, as tropas que se haviam fortalecido em nosso flanco ocidental fizeram todo o possível para romper o cerco e libertar seus companheiros de armas...".



Um grave obstáculo: a escassez de armas



Apesar de ter sido criado em Moscou, em princípios de 1942, um Estado-Maior encarregado de coordenar as atividades guerrilheiras com as necessidades operacionais do exército, o certo é que na primeira fase da luta russo-germânica essa coordenação poucas vezes chegou ao nível desejado. De fato, quase todos os relatos de homens e mulheres que participaram nesse gênero de luta coincidem em salientar que a escassez de armamento foi a principal dificuldade com que os guerrilheiros toparam nos primeiros meses. A tal ponto que em muitos casos somente puderam dispor das armas e munições que conseguiam arrebatar aos alemães, sendo muitas as formações que só aceitavam homens que dispusessem de armamento próprio. Houve ocasiões em que os candidatos se alistavam na polícia ucraniana, a serviço dos alemães, para desertar depois de armados.



Essa atitude de deixar os guerrilheiros entregues aos seus próprios e minguados recursos é explicada pelos comentaristas soviéticos com o argumento de que o Stavka, o comando supremo, apenas dispunha naquela época de armas suficientes para equipar as unidades do exército regular, além de que, logicamente, devia concentrar todos os seus esforços na contenção da ofensiva alemã e na estabilização de uma frente que se estendia ao longo de mais de 2.000 quilômetros.



A situação dos guerrilheiros melhorou sensivelmente em todos os sentidos durante a primavera e o verão de 1942, quando começaram a receber por via aérea grandes remessas de armamento. Algumas formações guerrilheiras passaram a dispor de abundantes morteiros e até mesmo de artilharia. Também melhorou em muito sua capacidade operativa ao receber o reforço de unidades inteiras do exército vermelho, treinadas para essas missões especiais, que eram lançadas de pára-quedas ou transportadas até aeródromos improvisados pelos guerrilheiros.



O manual do guerrilheiro



A tarefa de controlar os milhares de bandos dispersos no enorme território da Rússia ocupada, que muitas vezes ignoravam inclusive a existência de grupos amigos lutando a poucos quilômetros de distância, exigiu do Estado-Maior Central guerrilheiro um gigantesco esforço de organização. Teve que criar em seu QG diversas seções encarregadas de atender e satisfazer aos pedidos de armamento, víveres, medicamento e equipamento de inverno formulados pelos combatentes; de estudar e classificar todas as informações recebidas, especialmente relativas a movimentos de tropas do inimigo, imediatamente transmitidas ao Stavka; estabelecer e manter uma rede de agentes encarregada de comunicar ordens e determinações aos que combatiam na retaguarda alemã a fim de conduzir a luta de forma coordenada.



O trabalho de uma das seções, incumbida de reunir, estudar e classificar as experiências vividas pelos combatentes, deu como resultado, no verão de 1942, um livro de 420 páginas intitulado O Manual do Guerrilheiro, cuja simples leitura dá clara idéia da formidável importância que já naquele momento o Alto-Comando russo atribuía às atividades guerrilheiras. O livro, distribuído entre aqueles a que se destinava, era um compêndio detalhado das situações que podem se apresentar nesse tipo de luta e das soluções mais adequadas a cada caso.



O livro terminava com um vocabulário russo-alemão que bem podia qualificar-se de "funcional", além de ter um guia rudimentar de palavras adequadas para circunstâncias particulares, como Halt! Hände Hoch! Waffen hinlegen! (Alto! Mãos ao alto! Joguem fora as armas!); Ergieb dich! Raus aus dem Hauser! Bei FIuchtversucht wird geschossen! (Rendam-se! Saiam da casa! Aquele que tentar fugir é um homem morto!); e Wo befinden sich deutsche Truppen? Wo noch? Wo sind Minen gelegt? (Onde estão as tropas alemãs? Em que outros lugares? Onde estão as zonas minadas?).



As contramedidas alemãs



O exército alemão não poderia suportar paciente e resignado que uma ação em sua retaguarda constituísse ameaça para suas comunicações e suas tropas. Imediatamente entraram em vigor medidas severíssimas que implicavam na pena de morte não somente para os guerrilheiros e sabotadores, como para aqueles que os ajudassem e os escondessem; até mesmo para aqueles meramente suspeitos de uma coisa ou outra. Os povoados das "áreas de guerrilhas" foram incendiados e a população executada ou deportada. Apenas na província de Kaluga as execuções de civis por "simpatizar com os guerrilheiros" ascenderam a mais de 20.000. Em pequenos distritos como Ludovino e Diatkovo, nas cercanias de Briansk, até novembro de 1942 haviam sido executados mais de 2.000 civis e incendiadas mais de 500 casas, sendo deportadas outras 5.000 pessoas para trabalhos forçados na Alemanha.



Nada mais ilustrativo a respeito que a ordem pessoal do Führer, de 16 de dezembro de 1942, também com a assinatura do Marechal Keitel, comandante-chefe do Comando Supremo da Wehrmacht (OKW): "Se a repressão aos guerrilheiros, no leste como nos Bálcãs, não for efetuada, as forças de que dispomos serão dentro em pouco insuficientes para exterminar essa praga. Por conseguinte, as tropas têm o direito e o dever de utilizar quaisquer meios... contanto que eficazes e que nos permitam alcançar o triunfo. Escrúpulos de qualquer espécie constituem crime contra o povo e os soldados alemães... A nenhum alemão que participe em ações contra os bandidos e seus cúmplices se poderá imputar, do ponto de vista jurídico ou disciplinar, responsabilidades pelos atos de violência cometidos".



A batalha dos trilhos



A criação do Estado-Maior Central guerrilheiro logo começou a dar frutos. Além de suas habituais operações de fustigamento, os irregulares efetuaram muitas ações em perfeita coordenação com o exército russo. Hoje se reconhece oficialmente que, de modo acentuado, o êxito da batalha de Stalingrado (outono e inverno de 1942) foi devido às dificuldades de abastecimento por que passou o 6o Exército alemão, em virtude dos constantes ataques guerrilheiros contra suas linhas de comunicações. O início da ofensiva de Von Manstein, que em dezembro daquele ano tratou de liberar os sitiados na capital do Volga, sofreu atrasos sucessivos que a condenaram ao fracasso pela lentidão com que os transportes chegavam à zona de concentração.



Porém, possivelmente a mais espetacular destas operações coordenadas foi a "batalha dos trilhos". A 14 de julho de 1943 o comando soviético ordenou aos guerrilheiros que iniciassem "uma série de operações conjuntas para bloquear totalmente o tráfego ferroviário inimigo". Os planos haviam sido detalhadamente estudados antes, principalmente com referência às regiões de Briansk, Gomel e Orel, onde o exército russo preparava violenta ofensiva a fim de explorar a recente vitória em Kursk, considerada a "maior batalho de tanques da história".



Somente na noite de 21 de julho verificaram-se 5.800 explosões nas vias férreas que atravessavam a região; ao todo, entre essa data e 23 de setembro, os guerrilheiros de Briansk e Orel mandaram pelos ares 17.000 trechos ferroviários. Sua ação foi superada pelos irregulares da Bielo-Rússia, que entre janeiro e maio de 1943, antes da "batalha dos trilhos", fizeram descarrilar 634 trens; estes grupos deixaram fora de ação dois terços das estradas de ferro da Bielo-Rússia em agosto de 1943, e até o final desse ano dinamitaram mais de duzentos mil trilhos, destruíram ou descarrilaram mais de mil trens com tropas ou equipamentos militares, destruíram ou avariaram igual número de locomotivas, além da destruição total ou parcial de quase uma centena de pontes de estrada de ferro.



Os efeitos da "batalha dos trilhos" sobre o curso das operações bélicas desse verão (ofensivas russas na Ucrânia e Bielo-Rússia) foram unanimemente reconhecidos pelos comentaristas militares alemães. O próprio Marechal Jodl, chefe do Estado-Maior alemão, admitiu a 3 de novembro de 1943 que em julho, agosto e setembro daquele ano haviam registrado respectivamente 1.560, 2.121 e 2.000 atentados contra vias férreas, os quais haviam causado tremendo efeito sobre as operações militares, afetando até mesmo os planos para a retirada das tropas.



Os guerrilheiros se tornam soldados



Apesar das severas medidas de repressão postas em prática pelas autoridades alemãs, as fileiras guerrilheiras engrossaram vertiginosamente no transcurso da guerra. As numerosas baixas sofridas por suas formações não afetavam, com isso, o seu poder combativo. Também na Rússia, o maior incremento do movimento de guerrilhas registrou-se depois da batalha de Stalingrado. Houve para isso duas boas razões, em parte subjetivas e em parte objetivas. Em primeiro lugar, as deportações e requisições de pessoas para as fábricas alemãs aumentaram depois de Stalingrado e a maioria preferia morrer lutando nas bosques do seu país que perecer de esgotamento em algum ponto remoto do III Reich. Por outro lado, a partir de 1943 difundiu-se cada vez mais a crença de que a Alemanha acabaria perdendo a guerra, e essa quase certeza impulsionou muita gente à luta. Hoje se calcula que entre 1943 e 1944 mais de meio milhão de combatentes irregulares armados combatiam no solo russo ocupado, divididos em incontáveis pequenas e grandes formações. Em numerosíssimos casos seus feitos permanecem desconhecidos e assim ficarão para sempre porque morreram todos os seus integrantes. Mais difícil ainda será estabelecer, mesmo aproximadamente, a cifra de guerrilheiros mortos em combate, em conseqüência das operações punitivas e de repressão empreendidas pelos alemães.



Ao se aproximarem as vanguardas do exército vermelho, os irregulares ocupavam aldeias e cidades às vezes com dois ou três dias de antecedência à chegada das tropas. Dessa forma muitos edifícios e casas puderam escapar da destruição, já que os alemães em retirada não tinham tempo de aplicar sua tática de "terra arrasada".



Uma vez realizado o encontro de ambas as forças russas, os guerrilheiros eram enviados a acampamentos especiais onde recebiam rápido treinamento "regulamentar" antes de serem incorporados ao exército. Quase uma quarta parte deles tiveram de ser declarados não aptos para o serviço militar em virtude de enfermidades mentais e físicos particularmente a tuberculose contraídas nos longos meses de agruras e tensões na vida de guerrilha.



Uma possível brecha na "fortaleza européia"



Na madrugada de sábado, 6 de abril de 1941, quando os "Stukas" bombardeavam Belgrado e as divisões alemães iniciavam sua marcha partindo das fronteiras, soava a hora da derrota militar da Iugoslávia e da Grécia. Uma semana depois estava totalmente batido o exército dos sérvios, croatas e eslovênios. Um mês e meio depois tinha a mesma sorte o Exército Real da Grécia, que alguns meses antes conseguira vitórias parciais em sua guerra com a Itália; este exército fora reforçado por um corpo expedicionário britânico que sofreu duras perdas no assalto alemão à ilha de Creta, último baluarte da resistência grega. Porém, as montanhas e os bosques, abundantes tanto na Iugoslávia como na Grécia, iam servir de albergue e refúgio a muitos milhares de homens que não se conformavam com a idéia da pátria vencida e ocupada. Em conexão com o QG britânico no Oriente Médio, que com relativa freqüência lhes proporcionava armas e munições por via aérea, estes grupos de combatentes irregulares iriam manter ocupadas, durante toda a guerra, numerosas forças alemães encarregadas da sua repressão.



A presença de guerrilhas na Grécia e na Iugoslávia foi uma considerável contribuição ao esforço bélico aliado, já que além de prender e distrair as forças de repressão - não utilizadas assim em outros teatros de guerra - obrigou o OKW a aumentar seus efetivos nesses países, ante o temor de que as regiões guerrilheiros servissem de cabeça-de-ponte para a segunda frente aliada. Esse temor - e a conseqüente necessidade - de enviar mais tropas à zona tornou-se agudo quando os Aliados se apoderaram do norte da África e da Sicília e parecia que o próximo golpe seria precisamente nos Bálcãs. Isso se depreende da diretiva n° 46 do Führer, emitida, a 26 de julho de 1943: "As medidas inimigas no Mediterrâneo oriental, em conjunção com o ataque à Sicília, indicam para breve as operações de desembarque no Egeu, contra nossa linha Peloponeso-Creta-Rodes e contra a costa ocidental da Grécia, com bases nos ilhas Jônicas. Se as operações inimigas se estenderem da Sicília ao sul da península itálica poderemos deparar com um assalto à costa oriental do Adriático, ao norte dos estreitos de Otranto. O comando dos operações inimigas se baseia também no movimento bandoleiro, crescentemente organizado e alimentado pelo adversário no interior do área oriental sul..." "... Na retaguarda: a tarefa mais urgente do comandante-chefe do sudeste é destruir os grupos de bandidos da Grécia, Sérvia e Croácia, a fim de manter desimpedidas nossas linhas de abastecimento, em especial as vias férreas, para garantir a indispensável liberdade de movimento nas zonas da retaguarda...".



A Itália fora de combate



Até 8 de setembro de 1943, quando se tornou público o armistício firmado dias antes entre os Aliados e a Itália, pode-se dizer que não existiu nesse país nenhum movimento guerrilheiro ativo. Porém, com a virtual dissolução do exército italiano, ao se dispersarem muitas unidades e ao serem outras desarmadas pelos alemães, os elementos antifascistas civis e militares se lançaram à luta contra os ocupantes alemães. Na retaguarda alemã, no centre e norte da Itália, atuaram dois grandes movimentos guerrilheiros, Giustizia e Libertà e Garibaldini, sob os ordens do General Rafaele Cadorna. Logo a estas forças se uniram duas divisões integrados por desertores italianos que lutavam sob as ordens de Tito na Iugoslávia: o Itália-Garibaldi e a Gramsci; com eles vieram numerosos iugoslavos especialistas em atividades de guerrilha. A milícia fascista de Mussolini foi praticamente neutralizada e também os alemães sofreram fortes baixas: o Marechal Kesselring admitiu que entre junho e agosto de 1944 mais de 7.000 alemães foram mortos e outros 25.000 ficaram feridos em ações travadas em locais distantes da linha de fogo.





Anexo



Outono sangrento

Stefano Pellegrino, do seu escritório, contemplava as pessoas que passeavam na praça Itália. Pellegrino, escrevente municipal na cidade de Boves, trabalhava mal-humorado, sentindo o calor daquela manhã de outono. "Se não fosse pelo trabalho, estaria bem longe daqui..." pensava.

Boves não era uma cidade grande e nem diferia das outras do norte da Itália: uma ampla praça central rodeada de casarões de dois ou três andares, a igreja romana com companário barroco, a fonte, os repuxos, o sol que àquela hora empurrava as sombras para a beira dos caminhos. Se Pellegrino levantasse os olhos sobre os telhados veria o contorno verde e azulado das montanhas.

Ia concentrar-se no trabalho quando um carro cruzou a praça; era um veículo das SS alemãa ocupado por dois oficiais. O automóvel parou na esquina de Trieste com a praça Itália. Os oficiais desembarcaram e o escrevente viu, surpreso, que pela mesma rua chegava um caminhão dos "partisans", que vinham habitualmente comprar mantimentos. Os oficiais não tiveram tempo de raciocinar e foram obrigados a render-se. Os "partisans" fizeram-nos entrar no caminhão e se afastaram: Pellegrino voltou ao trabalho com a idéia de não levantar mais a cabeça até terminar. Porém este seu propósito era muito otimista. Uma hora mais tarde uma coluna blindada entrou em Boves. Eram elementos SS da 34a Divisão comandada pelo Major Pejper, sediada em Cuneo. Pejper trazia ordens concretas: ou os guerrilheiros devolviam os dois oficiais ou o povoado seria arrasado.

O pároco Giuseppe Bernardi e o industrial Antonio Vassallo, presidente do hospital de caridade de Boves, apresentaram-se pedindo autorização para negociar com os "partisans" o resgate dos dois prisioneiros. Pejper aceitou, reiterando a ameaça: "Se meus oficiais não aparecerem, Boves será transformada num montão de escombros".

Enquanto isso, carros da coluna cercaram a pequena cidade e uma patrulha entrou em combate com "partisans" do grupo "Ignacio Vian".

As duas da tarde mais ou menos, o padre e o negociante seguiram para as montanhas. Passada uma hora, regressaram acompanhados dos dois oficiais sãos e salvos. Pejper porém, furioso com a resistência dos homens de "Ignacio Vian" à sua patrulha, ordenou o ataque. Os blindados movimentaram-se lenta e precisamente para o centro de Boves.

Utilizaram lança-chamas, bombas de fósforo, granadas incendiárias, destruindo primeiro os edifícios da periferia e depois os das ruas Bisalta e Trieste, da praça Itália, praça Garibaldi etc.

Durante o ataque morreram 59 civis; entre eles o padre Bernardi e o industrial Vassallo.

Em meio ao incêndio, Stefano Pellegrino tratava de salvar os antigos documentos conservados na biblioteca da municipalidade. A meia noite as chamas se erguiam bem altas, dando a impressão de pleno meio-dia. "Todo o município parecia um vulcão..." recordaria mais tarde o escrevente. As penúrias de Boves, porém, não terminaram ali. Em fins de 1944 os alemães passaram novamente pelo povoado, seguindo as pegadas do bando de "Bisalta", "partisans" que operavam no local. Durante quatro dias (31 de dezembro de 1943, 1o, 2 e 3 de janeiro de 1944), atacaram novamente matando dez civis e destruindo as únicas casas ainda de pé.





Os corsos gostam de maçãs

Jacques Manachem tinha 29 anos quando os alemães chegaram à ilha. Sentado num restaurante que dava para a baía, viu-os desembarcar. Havia rumores a respeito, porém ele não acreditava; parecia tão pouco provável que a Córsega representasse algum objetivo apreciável... Manachem, francês alto e de rosto ascético, fôra antes fotógrafo do "Soir", em Paris, até que aceitou ser correspondente na ilha. O fato concreto, porém, apesar do ceticismo de Jacques, era que os alemães chegavam para ficar. Quando os invasores chegaram em 1941, a Córsega era uma ilha francesa do Mediterrâneo, com população calculada em pouco menos de 300.000 habitantes. Rebanhos de cabras e ovelhas pastavam nas faldas da cordilheira ao longo da ilha, numa extensão de 175 quilômetros. Havia também zonas de vinhedos e oliveiras. Fora isso e o fato de ter sido berço de Napoleão, a Córsega nada mais tinha a oferecer.

Logo no dia do desembarque Manachem compreendeu que a resistência era possível. Com quatro companheiros, constituiu a primeira guerrilha corsa da Segunda Guerra Mundial. Cada membro tinha a obrigação de organizar outro grupo de cinco; cada um destes últimos devia formar novos grupos de igual número e assim sucessivamente, até que a entidade secreta se alastrou por toda a ilha.

Os patriotas necessitavam de uma fonte comum de informação e comunicação. Para essa necessidade Manachem fundou sob o título de "Le Patriote" um boletim que constituía o "Órgão da Frente Nacional da Córsega".

Os invasores souberam que o francês dirigia a publicação e se dispuseram a eliminá-lo, porém a máquina de impressão estava nos montes agrestes da Córsega, chamados "maquis", de vegetação tão densa que não se pode distinguir nada. Uma vez uma patrulha se aproximou do esconderijo de Manachem. O francês parou a máquina e os soldados passaram a dois metros de distância, sem vê-la.

"Le Patriote" continuou saindo. A edição, de uns 5.000 exemplares, circulava de mão em mão entre os corsos.

Gradativamente foram estabelecendo comunicação com os Aliados pelo radio. Os aviões ingleses e americanos começaram a lançar armas e munições para ajudá-los. O problema era coordenar os lançamentos para que caíssem em mãos corsas e não alemãs. Finalmente idealizou-se um código para informar os pilotos sobre os lugares adequados e convencionou-se um sistema de sinais por meio de fogueiras. A frase "Nós gostamos de maçãs", por exemplo, significava: "Esta noite, ao largo de Ajaccio, no mesmo ponto e com o sinal de costume".

No começo de 1943 havia na ilha uns 15.000 guerrilheiros bem armados, ou seja, a terça parte dos homens disponíveis da ilha.

A 9 de setembro desse ano os Aliados desembarcaram em Ajaccio. Com a rendição da Itália os soldados de Mussolini confundiram-se com a população; os alemães se retiraram para o norte a fim de passar para a península italiana através de Bástia, porém as guerrilhas os fustigaram continuamente, cortando-lhes a retirada pelo litoral do Tirreno. Os alemães tiveram que recorrer à artilharia para abrir caminho em direção ao norte e se viram obrigados a travar combates para superar cada quilômetro. Nessas ações pereceram quinhentos guerrilheiros corsos, porém a retirada do inimigo se prolongou por seis meses.

Jacques Manachem pensava em todas estas coisas quando voltou para casa, depois de assistir ao desfile da vitória em Ajaccio, no dia da libertação. Chegando em seu quarto começou a datilografar o editorial que deveria aparecer no dia seguinte no "Le Patriote":

"Estes homens não precisam de lições de patriotismo" - escreveu. "Quando decidiram oferecer resistência a um governo imposto pela força, descobriram o que almejavam e o que significa o governo livre. Sua resolução de desafiar a morte nasceu do coração, e esse sentimento vingou em toda parte. Ao chegar o momento crítico, deixaram de lado a política. O único objetivo era a liberdade dos que estavam vivos e a esperança de vida para os que não haviam ainda nascido. Nossa ilha é pequena; porém, como em toda a Europa, nela existem patriotas que lutam sob a ameaça da morte, perseguidos como se fossem ladrões ou assassinos. Eles também sabem o que é viver livre. Chegará o momento em que transformarão seus ideais em ação, e viverão sua tão ansiada liberdade".





A festa da padroeira

Foi uma infeliz confusão. O Alto-Comando Aéreo aliado, porém, não sabia de nada. Num povoado corso junto à costa celebravam a festa da padroeira acendendo grandes velas de cera em volta da praça.

O Alto-Comando Aéreo aliada ignorava essas coisas; sabia concretamente que na ilha da Córsega atuavam uns 15.000 guerrilheiros e que era preciso abastecê-los com armas e munições.

O vôo estava previsto para 19 de junho de 1943, a noite dos festejos da padroeira. O C-54 deixaria cair os pacotes num setor próximo à costa, onde a resistência teria acendido fogueiras em forma de cruz.

Quando o piloto sobrevoou a ilha viu a luz dos candelabros formando o sinal convencionado. Soltou então os pacotes de armas e munições, certo de que caíram no lugar exato. Os devotos cantavam, os rostos iluminados pela luz das velas, quando viram os pára-quedas. Caíam do céu, enrolando-se nos arbustos, assustando os cachorros, debandando os fiéis, armando, enfim, a maior confusão.

Perto uma patrulha alemã estava de prontidão para evitar distúrbios. Os aldeões correram para recolher os caixotes que se espatifavam por todo lado, enchendo a rua de fuzis e balas. Os alemães gritaram advertindo que não se tocasse em nada, porém o tumulto foi maior. Afinal, o oficial mandou que se disparasse contra a multidão... Houve cinco mortos e muitos feridos na comemoração do dia da padroeira; foi uma infeliz confusão. Mas o Alto-Comando Aéreo aliado não sabia de nada.





Uma locomotiva a menos

A forma era diminuta e irregular, porém a contextura servia. Algo assim como grafite, com a consistência da pedra-pomes. Não se desfazia com facilidade e, apesar do aspeto inocente, em contato com o fogo provocava um desprendimento de energia ao qual nem o ferro resistia. Pikula os embrulhou cuidadosamente com o pão, o toucinho e a fruta. Depois fechou a porta da sua casa e montou na bicicleta. Foi pela avenida e depois seguiu uma rua lateral até o pátio de manobras.

O soldado alemão o olhou e Pikula sorriu. O soldado fez um movimento de cabeça, puxando a trave do portão.

O pátio de manobras fazia parte de um sistema ferroviário polonês que os alemães utilizavam como núcleo de comunicações. Pikula, porém, não trabalhava precisamente no pátio; na realidade não era tão importante, somente arrumava peças num depósito. Não era trabalho pesado nem requeria um "especialista"; simplesmente precisava saber onde estavam as coisas quando os engenheiros e técnicos pediam peças sobressalentes.

Nesse mesmo depósito havia um quartinho cheio de correntes e pedaços de ferro sujos de graxa. Pikula trocou de roupa, abriu o pacote do almoço e retirou os pedaços da substância. Colocou-os dentro de um caixão de ferramentas, embaixo de um banco.

Dentro do caixão havia outros pedaços da substância, mas de qualquer modo a quantidade não passava de simples punhado.

- É quase suficiente - pensou o polonês. Agora o que está faltando é a oportunidade. Tem que ser logo porque corro perigo com este negócio aqui; e depois, se alguém deve ser preso, que seja por ter feito algo importante e não apenas por planejar...

Essa idéia lhe ocorrera quatro meses atrás. O que aconteceria se misturasse um explosivo à carga de carvão de uma locomotiva?

Um explosivo muito semelhante ao carvão, suficientemente pequeno e forte, para que fosse eficiente e não comprometesse.

Pikula jamais pensara em ser herói, mas vivia tão sozinho... E um homem sozinho, como ele mesmo dizia, pode chegar a imaginar as coisas mais inverossímeis para chamar a atenção...

Explicou a idéia a um professor de química, seu vizinho, mentindo sobre a finalidade.

- Professor, tenho um amigo a quem quero pregar uma peça. É muito friorento e mantém no seu quarto um fogareiro. Os médicos já lhe disseram que as emanações do carvão fazem mal e que ele acabará intoxicado. Mas não quer saber de nada. Seu único problema é o frio, e não acredita que o carvão possa ter gases tóxicos. Pensei que podia assustá-lo. Por exemplo, não há um jeito de provocar uma pequena explosão? Ele se assustaria e é bem capaz de deixar o fogareiro!...

O professor respondeu que os médicos tinham razão. Uma sua tia, irmã do seu pai, morrera desse mesmo modo em Varsóvia, quando ele era pequeno. A brincadeira, embora pessoalmente não estivesse de acordo com esse tipo de corretivo, era possível. Bastava uma pequeníssima partícula de um tipo de carvão que podia ser conseguido em qualquer laboratório. A dose teria que ser muito pequena, porque um punhado podia fazer voar um grande rebocador. Os olhos de Pikula se iluminaram e ele disse: - Mas é um explosivo muito forte. Nem mesmo em pequenas doses é possível consegui-lo nos dias de hoje. Os alemães têm uma relação de todos os estaques de explosivo da cidade...

O professor respondeu que, tratando-se de uma quantidade tão pequena poderia consegui-la com algum ajudante ou zelador de escolas elementares.

Pikula mexeu-se muito durante dois meses. Teve que falar com uma porção de gente, porque para a quantidade que necessitava teria que recorrer a vários laboratórios de escolas elementares. Assim pouco a pouco foi conseguindo o seu punhado de partículas de fogo, que transportara à fábrica misturando ao seu almoço. Agora só faltava a oportunidade...

Uma segunda-feira, ao entardecer, o movimento de trens era grande e o comando decidiu que uma vez terminadas as tarefas os operários não especializados ajudariam a carregar carvão nas caldeiras.

Era a oportunidade. Pikula encheu os bolsos com os pedaços da substância e, com ar aborrecido, encaminhou-se para o pátio de abastecimento. Trabalhou um longo tempo. Quando regressou tinha as mãos cheias de bolhas, o rosto preto de carvão e os bolsos vazios. Lavou-se, sem pressa nenhuma. Agora não havia nada em seu quarto de correntes enferrujadas que pudesse comprometê-lo.

Chegou em casa e se atirou na cama. Faltava apenas esperar os acontecimentos.

No dia seguinte montou sua bicicleta, pedalou pela avenida e pelo caminho lateral até o pátio de manobras. Sorriu ao soldado e este abriu o portão.

Quando ia entrando no depósito um companheiro se aproximou: "Ontem estive carregando carvão nas locomotivas até tarde mas parece que em vez de dizer obrigado vão nos mandar a todos que colaboramos para um campo de concentração. Uma das locomotivas explodiu a dez quilômetros daqui... Dizem que foi sabotagem..."

- E o que é que nós temos com isso? - exclamou Pikula com o ar mais incrédulo...





Um rato covardão

Este é o relato do General Nieh, um dos chefes da resistência chinesa contra a invasão japonesa:

"No princípio carecíamos de experiência para lutar contra um inimigo equipado com armas tão modernas como tanques, artilharia e aeroplanos. Por outro lado os japoneses jamais haviam enfrentado um inimigo tão perito na tática de guerrilhas como nós. Para fazer frente à crescente ameaça em sua retaguarda, começaram a operar contra nós com seus tradicionais ataques frontais, empregando fortes bombardeios terrestres e aéreos para capturar qualquer ponto em que estivéssemos. Quando por fim o tomavam, acreditavam que a batalha tinha terminado. Nós, porém, nos havíamos limitado a evacuar o ponto, a fim de dar a volta e atacá-los pela retaguarda. Quase sempre os obrigávamos a bater em retirada mediante a tática de cortar as linhas de comunicações que os ligavam às bases. A vantagem principal era nossa extrema mobilidade, diante dos japoneses travados pelo pesado equipamento mecanizado, de escassa utilidade contra um inimigo que se recusava a enfrentá-los numa guerra de posições. E como são necessários dois antagonistas para que possa haver luta, os japoneses somente conseguiam combater conosco quando nós queríamos e para tanto escolhíamos o momento mais propício. Numa ocasião os japoneses enviaram uma poderosa coluna de mil homens para descobrir e aniquilar nossas guerrilhas. "Atraímos a coluna para um grande bolsão e depois os atacamos de surpresa, antes do alvorecer, e os fizemos retroceder até um pequeno vale. Uma vez ali, os separamos com um fogo cruzado de efeitos tão catastróficos que nem sequer tiveram tempo de desmontar a artilharia que transportavam no lombo de mulas. Com exceção de alguns poucos que talvez tenham escapado individualmente, não houve sobreviventes inimigos. Quando terminou a batalha, não restava um só japonês com vida em todo o campo de batalha. Conseguimos uma excelente presa de guerra, principalmente em artilharia, embora tenhamos perdido muito tempo para aprender a usá-la. Quando conseguimos, empregamos seus próprios canhões contra suas casamatas. Enfurecido, o General japonês Kishiu decidiu dirigir pessoalmente outra poderosa coluna de mil homens numa expedição punitiva. Como antes, permanecemos em nossos esconderijos das montanhas e os deixamos entrar na ratoeira que havíamos preparado. Então caímos sobre eles antes que pudessem se recompor da surpresa. Os japoneses sobreviventes pediram ajuda pela rádio.

"Uma terceira coluna de reforço, integrada por mil homens, foi também dizimada. Como nos casos anteriores, permitimos que se aproximassem e, no fim daquele dia, somente 300, de um total de 3.000 japoneses, conseguiram romper o cerco e voltar à sua base.

"Enquanto isso, a fim de vingar a morte do General Kishiu, os japoneses agruparam uma força de 50.000 tropas selecionadas e lançaram uma campanha ambiciosa.

"Empregando táticas terroristas, os japoneses incendiaram e mataram tudo o que encontraram pela frente. As coisas começaram a ficar pretas para o nosso lado. Hankow havia caído e os japoneses, que antes se jactavam de que os chineses não podiam travar batalhas de posições, começaram a proclamar que os chineses eram também um fracasso como guerrilheiros. "Porém os japoneses cantaram cedo demais a vitória. Novamente esperávamos o momento propício, e assim conseguimos romper o anel de ferro que nos apertava e nos reagrupamos na retaguarda do inimigo. Uma vez feito isso, atacamos violentamente, semeando a confusão nas linhas japonesas.

"Finalmente os invasores compreenderam e começaram a nos ver como éramos na realidade: uma verdadeira ameaça para todas as suas posições no norte da China. Encomendaram a um dos táticos mais capazes a tarefa de realizar um exaustivo estudo das táticas de nossas guerrilhas. Esse perito elaborou dois sistemas a que deu o nome de "dispersão em extensão" e "bicho da seda". Uma intrincada rede de arame farpado foi estendida por toda a zona. Em seguida os japoneses iniciaram a tática do "bicho da seda", isto é, a expansão gradual da sua rede de fortificações com a inclusão de um número crescente de postos fortificados, em intervalos cada vez mais reduzidos. Desta maneira os japoneses esperavam comprimir as zonas dentro das quais as guerrilhas do Paluchun (Exército guerrilheiro chinês) se movimentavam e se apoiavam reciprocamente.

"O Paluchun replicou lançando uma atrevida contra-ofensiva geral; a princípio atacaram as vias ferroviárias e as estradas, com o fim de desmembrar e destruir as comunicações do inimigo. Depois se concentraram a operar contra os postos fortificados e casamatas isoladas e, com a artilharia conquistada aos japoneses, começaram a destruí-los um por um.

"Os japoneses construíram novos postos e casamatas ao longo de suas linhas de trânsito. Esses fortes em miniatura foram reforçados mais tarde com uma dupla linha de profundas trincheiras, várias fileiras de arames farpados e muitos postos de tiro cobertos de troncos de árvores.

"Porém não se conformaram com seu sistema defensivo, mas tentaram ainda lançar um novo ataque para livrar-se do Paluchun de uma vez por todas. Reuniram um poderoso exército de uns 70.000 japoneses e uns 30.000 soldados mercenários e, uma vez realizada uma enorme manobra de cerco em toda a região de Peiyao, começaram a concentrar-se de novo, tomando as montanhas Wutai como centro. Como etapa seguinte à vitória nas montanhas haviam projetado descer às planícies para destruir os últimos focos. "Na sua fúria, destruíram tudo o que encontraram, num esforço supremo de destruir para sempre o Paluchun. Isso é o que chamavam tática de "tirar água". Porém, destruir povoados e aldeias não significava de maneira alguma destruir nossas guerrilhas. O peixe não pode viver se o mar está vazio. E os japoneses fracassaram novamente, admitindo a frustração pela imprensa que vociferava: "O exército japonês é como um leão feroz que não pode agarrar um rato covardão". "Embora seriamente travados nos nossos movimentos, permanecíamos em nossas posições operando nos espaços que mediavam entre as fortalezas. Quando eles se aproximavam, nós desaparecíamos; quando punham a cabeça de fora, nos lhe cortávamos a cauda. Contudo, o jogo estava perdido para nós, e pouco a pouco o inimigo conseguiu expulsar-nos de extensões cada vez maiores de terra. Os japoneses agrupavam os habitantes e os obrigavam a construir caminhos para os seus tanques e carros blindados. Por nossa vez, mobilizávamos o povo para destruir esses caminhos à noite. No dia seguinte os japoneses obrigavam os habitantes a reparar o que haviam destruído. Tudo isso representava uma carga muito pesada para o povo e deixava a ele uma margem muito pequena de tempo para lavrar a terra.

Fez-se necessário então idealizar outras medidas para enfrentar a ameaça japonesa. Parecia indiscutível que os japoneses conseguiriam ocupar rapidamente as populosas e férteis planícies do norte da China. Então decidimos recorrer ao povo: organizá-lo, armá-lo e ajudá-lo a defender-se a si mesmo; um comandante de guerrilha sempre termina por voltar a este ponto de partida. Ensinamos os camponeses a elaborar minas terrestres e granadas de mão. Os ensinamos também a disparar fuzis, a destruir as comunicações do inimigo, a defender seus lares e seus campos.

"Ensinamos a eles novas técnicas - as técnicas da guerra do túnel, de minas, de trincheiras e de muitas outras maneiras de combater o inimigo toda vez que emergisse de suas casamatas e fortificações. E o êxito que obtivemos ultrapassou os nossos cálculos mais otimistas. O povo compreendera afinal que não tinha por que temer aos japoneses e decidiu devolver golpe por golpe. Uma vez mais os japoneses empreenderam suas cruéis expedições punitivas, porém quando suas baixas começaram a crescer de modo alarmante voltaram a se encolher em seus fortins. E por não poder dispor dos necessários reforços para operações em grande escala, já que a guerra do Pacífico exigia cada vez mais tropas, encontraram-se sem poder sair de suas casamatas".





Natal na Rússia

O suboficial Strauss cortou um galho, fixou-o num vaso e o adornou com papéis coloridos. Strauss era feliz; para ele a guerra estava longe, embora estivesse numa zona perigosa. Ninguém se preocupava com esse destacamento na retaguarda da frente bielo-russa. Nem os aviões se dignavam atacá-los. Nessa mesma tarde, sem ser preciso ir mais longe, contara, tranqüilamente apoiado na entrada da sua barraca, doze bombardeiros soviéticos que iriam descarregar suas bombas em algum lugar da frente. Ninguém se preocupava em esconder-se, e praticamente os alarmas antiaéreos não existiam. Os sentinelas revesavam-se e cumpriam o seu turno de guarda com a mesma tensão que podia existir num acampamento de escoteiros.

Depois Strauss passou na cozinha de campanha, falou com o cozinheiro, conversou com os ajudantes, meteu um pedaço de pão num prato de molho e bebeu um copo de vinho. Tudo estava pronto para festejar o Natal.

As vinte e duas horas mais ou menos, reuniram-se à mesa. Tiveram que esperar uns cinco minutos antes de sentar para comer, pois dois oficiais haviam prometido participar da festa e não valia a pena indispor-se com eles, não os esperando. Natal, sim, porém sempre o respeito às autoridades.

O porco estava muito gostoso. O calor da estufa de lenha e as garrafas de bom vinho soltavam as línguas, aumentavam o alcance das brincadeiras e criavam um clima de igualdade geral. A capacidade de Strauss para encontrar motivações para novos brindes era inesgotável. A princípio parecera cansativo, porém o suboficial tivera suficiente habilidade para começar por brindar pela mais alta hierarquia: ao Führer, à Alemanha, à guerra, à paz, aos seus camaradas...

Strauss estava pensando que a guerra afinal de contas não era tão má, pelo menos para ele. Enquanto houvesse um pouco de vinho, camaradagem e calor, as coisas iam bem. Aliás, era quase melhor ali, na retaguarda, que na sua aldeia da Vestfália, que seguramente os americanos e os ingleses já haviam bombardeado.

Tornou a encher o copo e o de seu companheiro. Mas quem era o seu companheiro? Bom, que importava isso, era Natal!... Além disso, ele percebia que estava bêbado e isso é que era importante... Quando se está bêbado... não tem a menor importância quem seja o companheiro, mas sim como se imagina o companheiro. Deu uma risada... O copo de vinho estava vazio. Agora estava completamente bêbado. O que acontecera com os oficiais? Porque, como dissera no princípio, Natal sim, mas sempre muito respeito às autoridades.

Pareceu-lhe ouvir uns ruídos, mas lembrou que noutros lugares também estariam festejando...

Ou seria o comandante? A idéia não o agradou. Se o comandante o encontrasse naquele estado, seu prestígio iria por água abaixo. E ele não era um civil que a guerra militarizara, mas um militar de carreira.

É isso mesmo! Vai ver que era o comandante que percorria as barracas para ver como iam as coisas e desejar feliz Natal.

A porta então se abriu de chofre, às suas costas. Strauss apoiou-se lentamente no encosto da cadeira...

-Feliz Natal Herr comand...

A rajada de metralhadora não deixou que ele completasse a frase. Desabou pesadamente. Estava morto. O guerrilheiro russo se aproximou para lhe tirar a arma sem reparar na sua boca contorcida e nos olhos desmensuradamente abertos.

A última expressão de Strauss era a da morte, porém também de assombro. Porque Strauss jamais compreenderia que os guerrilheiros haviam assaltado o acampamento para buscar armas e que, apesar das suas suspeitas, não foi o comandante que abriu a porta, simplesmente porque o comandante havia morrido ainda antes que ele.

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