Você é muito bem-vindo aqui!

sábado, 30 de abril de 2011

Um dia aconteceu...Lições de uma vitória

Num pais necessitado de boas notícias, foi um alento a aprovação pelo Congresso, em
tempo recorde, de uma Iniciativa Popular de Lei que enfrentou uma das mais perversas
distorções de nossa democracia: a compra de votos de eleitores. Temos agora uma lei preventiva
que, no dizer de um senador, terá efeitos “devastadores” para pessoas sem condições
éticas para representar o povo num Parlamento: quem tentar comprar votos terá seu registro de
candidato cassado, nem chegando, portanto, a ser eleito.
A primeira lição dessa experiência é paradoxal: a Iniciativa Popular de Lei, prevista
na Constituição, não existe, de fato. Ela precisa ser subscrita por no mínimo 1% do eleitorado
nacional, ou seja, mais de 1 milhão de eleitores. Mas, se o Congresso ou o Tribunal Superior
Eleitoral podem conferir quantidades, nomes e números dos títulos, dificilmente podem
conferir assinaturas. Sem essa verificação, uma Lei de Iniciativa Popular poderá ser
questionada pelo primeiro cidadão por ela prejudicado. O que fazer para evitar esse risco?
Esquecer que se trata de uma Iniciativa Popular e apresentar o projeto pela mão de algum
parlamentar. Urge portanto corrigir essa frustrante insuficiência e assegurar a existência efetiva
desse instrumento de participação.
Tudo isso se realizava diante do que ocorreu em agosto e setembro no Congresso: o
formal submergiu diante da força do político. No caso do projeto aprovado, não se podia nem
mesmo esperar tais verificações: era preciso iniciar imediatamente a tramitação, para permitir
sua sanção antes de 1º/10, entrando em vigência nas eleições de 2000. Deputados assumiram
então o projeto. Mas não foi possível ignorar que ele chegou pela mão de 1 milhão de
brasileiros, apoiados por 60 entidades de peso no pais. Sempre reconhecido como uma
Iniciativa Popular, o projeto irrompeu Congresso adentro, como uma avalanche. Constatou-se
portanto a enorme força política de uma Iniciativa Popular de Lei subscrita por 1 milhão de
cidadãos, quaisquer que sejam os trilhos de que ela precise para avançar. Apresentada ao
Congresso em 10/8, começou a tramitar como projeto de lei em 18/8, para ser aprovado pela
Câmara em 21/9 e pelo Senado em 23/9. Cinco dias depois o presidente da República o
sancionou, como lei nº 9.840, de 28/9/1999. Do inicio da tramitação à publicação no "Diário
Oficial", contaram-se escassos 41 dias.
Não poderia ser outro o desfecho de um longo processo vivido em todo o país. Apesar
de ser um crime e de sua perversidade – a possibilidade de comprar votos exige que as
carências populares sejam mantidas – , essa troca é cultural, prática aceita e mesmo desejada
por muitos candidatos e eleitores. Decidiu-se por isso, depois de um ano de pesquisas e
audiências públicas, enfrentá-1a por meio de uma Iniciativa Popular de Lei: a coleta de
assinaturas poderia ser um instrumento de educação sobre o valor do voto.
O que se viu então, durante um ano e três meses de coleta, inicialmente nas paróquias
e movimentos das igrejas, depois nas escolas, portas de fábrica e ruas, foi uma crescente
conscientização, o despertar de esperanças e a acumulação de alianças. O apoio da mídia, de
1 Publicado originalmente em Folha de S. Paulo, 28/10/99, p. A3.
2 Secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil.
2
inicio tímido, foi crescendo. Ninguém podia ser contra a proposta ou ficar indiferente, a não ser
os interessados em comprar votos ou os totalmente desesperançados.
Dentro do Congresso houve outros fatores que deram mais força à avalanche. A
proposta era sem dúvida oportuna: acabar com a corrupção é hoje um real anseio nacional, e a
conjuntura era favorável na Câmara, em plena luta para se desvencilhar de um parlamentar que
manchava sua imagem. Mas contou-se também com a simpatia dos funcionários do Congresso,
nos gabinetes e entre o pessoal permanente. Muitos até tinham subscrito a Iniciativa Popular
como cidadãos e se sentiam co-autores. Indicando os melhores caminhos para uma rápida
tramitação e afastando obstáculos, alegravam-se com os sucessos obtidos.
Um grande número de deputados e senadores, por sua vez, assim como as
presidências das duas Casas, atingidos pela força do milhão de cidadãos que apresentavam um
projeto visando efetivamente a um avanço democrático, o assumiu com total disposição de
obter a aprovação, como se fosse um projeto de cada um deles. E até a mídia deu, por sua
própria iniciativa, vários empurrões oportunos, bloqueando os "conluios do atraso", como foram
chamadas as manobras dos opositores.
Essa conquista histórica – a aprovação, pela primeira vez no Brasil, de uma Iniciativa
Popular de Lei, 11 anos depois de a Constituição ter dado aos cidadãos essa possibilidade –
teve portanto uma base sólida. E a partir dessa base podemos preparar um exército de fiscais de
seu cumprimento. Oxalá a sociedade brasileira se dispusesse a invadir dessa forma, outras
vezes, o Congresso: muita coisa poderia mudar em nosso pais. A vitória da Iniciativa Popular
de Lei contra a corrupção eleitoral é de fato um sopro de esperança.
Francisco Whitaker

Nenhum comentário:

Postar um comentário