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quarta-feira, 28 de março de 2012

Ensine a classe a rimar Millôr com sarcasmo, estilo e humor



Edição 1872, em 22 de setembro de 2004
Interdisciplinar – Língua Portuguesa, Literatura e Cultura

Mostre que um viés crítico e inteligentemente debochado pode ser o modo mais sério de encarar os poderosos
Caio Guatelli/ Folha Imagem
Millôr Fernandes: “Uma coisa é ser o rei dos palhaços,
outra coisa é ser o palhaço dos reis”


Millôr Fernandes: obra; gêneros literários e literatura humorística


Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso da linguagem artística


Detectar e analisar o humor em textos literários
Enfim, um escritor sem estilo.” Essa definição irônica é o cartão de visita de Millôr Fernandes. O dramaturgo, tradutor, poeta, jornalista e cartunista já havia colaborado com VEJA de 1968 até 1982. E desde a semana passada, como um filho pródigo, voltou às páginas da revista. Comemore apresentando à turma os haicais, as reflexões sem dor e os livres-pensamentos desse autor sarcástico e cheio de estilo.
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Preparação da aula
Alguns fatos da biografia de Millôr Fernandes são importantes para a compreensão de sua obra. Informe que o escritor nasceu em agosto de 1924, no bairro do Méier (ele grafa Meyer na auto-referência jocosa “Guru do Meyer”), no Rio de Janeiro. Sua atividade profissional começou precocemente e foi exercida em várias publicações, como ele mesmo conta no livro A Bíblia do Caos – Millôr Definitivo: “Começando em jornal antes de completar 14 anos, desde cedo, sem que soubesse por que, chamado humorista, o autor escreveu e desenhou ininterruptamente em periódicos sem periodicidade definida e em publicações semanais e jornais diários. Pra ser exato: 25 anos na revista O Cruzeiro, 14 anos na revista VEJA, 6 anos no Pasquim, 10 anos em IstoÉ, 8 anos no Jornal do Brasil e períodos de alguns anos na Tribuna da Imprensa e Correio da Manhã. O passar desses anos (...) trouxe um certo aprimoramento de forma (...), um grande poder de concisão e uma filosofia a respeito: não se escreve com 11 palavras o que se pode escrever com 10 (a não ser que você seja americano e ganhe por palavra; aí a proposição deve ser invertida).”
Muitos dos livros do autor reúnem os trabalhos publicados nas seções que manteve nesses veículos. Poemas, peças de teatro e traduções completam sua obra extensa e variada. Há uma forma privilegiada e acessível de encontrar o trabalho de Millôr Fernandes: seu saite (é assim que ele escreve) www.millor.com.br.
Para debater
Converse com os alunos sobre humor. Pergunte que trabalhos e autores eles conhecem. Não se limite à literatura: fale de quadrinhos, jornais, programas de TV, colunas em revistas, charges, canções, filmes. Discuta como são produzidos os efeitos humorísticos nas várias manifestações. E analise uma questão delicada: essas formas são, de algum modo, “menores” que as outras? O humor é “menos sério” do que as formas circunspectas de criação? Para enriquecer o debate, a palavra de Millôr Fernandes sobre o tema: “O humorismo é a quintessência da seriedade.” Acrescente a seguinte comparação sobre o fazer do humorista: “Você aí, companheiro de profissão: uma coisa é ser o rei dos palhaços, outra coisa é ser o palhaço dos reis.”
Explique que ser humorista é, entre outras coisas, manter com o poder uma relação tensa, de quem olha para os mandatários com um viés crítico e inteligentemente debochado. A forma milloriana de fazer graça é séria, confrontadora – mas também divertida.
O humor de Millôr brota de múltiplos recursos. Um dos mais recorrentes é a exploração de formas de linguagem estereotipadas – chavões, provérbios, slogans, palavrório da política, da crítica de arte, da crítica literária, dos tecnocratas –, reprocessadas em textos que muitas vezes revitalizam gêneros consagrados, como as fábulas, as composições infantis, os haicais. No CD-Rom Em Busca da Imperfeição, ele afirma: “Um texto no meu trabalho é uma coisa que acontece naturalmente e ele é motivado por um acontecimento daquele dia, uma fábula antiga da qual eu me lembro, um acontecimento anedótico que eu transformo em fábula, uma idiossincrasia, ou digamos assim, uma irritação minha com fatos e coisas políticas... em suma: é um tremendo melê, uma tremenda mistura...” Millôr se move com agilidade nesse “melê”, reinventando a linguagem, introduzindo pontos de vista inusitados, obrigando o leitor a repensar palavras e conceitos, provocando a um só tempo riso e incômodo.
Mostre aos adolescentes, como exemplo, a definição de entrelinha implícita no cartum abaixo.
Millôr
Exercícios e outras atividades
Peça que os estudantes investiguem o site do autor e tragam para a sala de aula os textos e as imagens de que mais gostam para mostrar aos colegas. Como estímulo, analise o material reproduzido nos dois quadros deste plano de aula. Você também pode indicar pesquisas nos muitos livros de Millôr Fernandes. Um jeito agradável de expor os trabalhos do humorista é a teatralização: vários de seus textos se prestam ao palco, pois na verdade são diálogos ou cenas dramáticas.
Sugira um mergulho coletivo na trajetória de Millôr pelos jornais e revistas para os quais colaborou e colabora. Há coerência no trabalho do autor ao longo de sua longa carreira? Ele pratica o que prega?

Para ler e pensar
Das conpozissõis imfântis
O Escuro

“O escuro é onde a gente vê o que não está lá. Vem quando a mamãe diz: ‘Boa noite, dorme direitinho, meu filhinho’ e apaga a luz. Aí a gente só sente os barulhos e fica pensando noutras coisas completamente diferentes daquelas que tem no quarto quando o quarto está claro. Aí dá muito medo e a gente chora até que a mãe da gente volta e acende a luz e o escuro sai pro corredor.”

Dicionário Português-Português

Armarinho - Vento que vem do mar.
Barganhar - Herdar um botequim.
Barracão - Cidadão que proíbe a entrada de cães.
Cerveja - Sonho de toda revista.
Coitado - Estuprado.
Democracia - Sistema de governo do inferno.
Detergente - Ato de deter pessoas.
Homossexual - Sabão em pó para lavar partes íntimas.
Missão - Culto religioso desses que enchem o saco.
Padrão - Padre muito alto.
Presidiário - Indivíduo preso todos os dias.
Unção - Um que não está doente.
Viaduto - Local onde se reúnem homossexuais.

O cachorro e o trem

Imaginem que o cachorro grandão, policial, estava descansando de um acesso de raiva, exatamente junto dos trilhos da estrada de ferro.

O rabo sobre o trilho, assim. Roncando, o cachorro. Eis que o trem se aproxima. Suspense – o trem que se aproxima é um trem de carga, vem bem lento. Tchoique, tchoique – tchoique, tchoique.
O cachorro vai ou não acordar? Ai, acho que não vai não! Lá vem o trem, cachorro, acorda, bicho! Deus!, o cachorro não acorda e o trem de carga, lento, fuque, fuque, fuque, passa em cima do rabo dele, corta-o. Agora, sim, o cachorro acorda com um uivo de dor e, num salto de ódio, corre contra a máquina, tentando se vingar da mutilação.

Resultação: o trem lhe passa em cima da cabeça e mata-o definitivamente.
Moral: jamais perca a cabeça por causa de um rabo.
 http://veja.abril.com.br/saladeaula/220904/p_02.html

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