Dilma Rousseff ama a cultura, mas não é amor próprio. As orelhas dos livros que leu são surdas, porque jamais expostas aos estímulos do mundo exterior. Seus quadros preferidos, como revelou à revista Cláudia, estão num arquivo de computador que deu pau faz tempo — em matéria de arte, ela disse estar na fase “japonesa”, talvez porque seu laptop seja da VAIO/Sony. Música? Adora os sambinhas sincopados de Ella Fitzgerald ouvidos num alto-falante feito de caixa de maçã por uma de suas colegas de sala, perdão cela.
Quanto a filmes, é tão cinemaníaca que só os assiste ao lado do diretor, com quem depois os discute. O último foi “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, há 40 anos, no cine-clube de BH. Pena que Glauber saiu no meio, cancelando o debate pós-filme.
Dilma é cultura. E a cultura, no Brasil, nunca mais será a mesma depois de Dilma. Ontem, no Rio, ao lado de outro scholar, o governador Sérgio Cabral Filho, nossa futura presidente, mecenas e patronesse das artes, esmiuçou seus fabulosos planos para a cultura.
E aqui termina a ironia e começa a triste realidade de antevermos o Brasil comandado por uma mulher que só abre a boca quando não tem nenhuma certeza e que é dona de uma extraordinária incultura geral.
“Eu tenho um projeto muito claro para a cultura”, começa a mentir a candidata. “No governo Lula, nós fizemos dois movimentos pra cultura (…). Desse projeto, faz parte o vale-cultura e faz parte também o processo pelo qual nós estamos levando não só bibliotecas, mais cinemas e espaços multimídia para as cidades do Brasil. Porque nós constatamos que houve um processo, viu Sérgio, terrível de redução no Brasil das salas de cinema. Você hoje tem em poucas cidades do Brasil, do interior do Brasil, cidades grandes, médias e pequenas, cê tem sala de cinema”
O laudo é em dilmês castiço e o diagnóstico é correto – só 10% das cidades brasileiras, menos de 500, têm cinemas hoje. Mas a redução no número das salas de cinema é um processo de mais de 30 anos. “Nós” não constatamos coisa nenhuma. E esse quadro desolador atravessou o governo Lula sem nenhum “movimento” em direção oposta. Os novos cinemas que surgiram nos últimos oito anos – e 100% das novas salas estão em novos shopping centers – são iniciativas exclusivas da iniciativa privada.
Não há um único Cine Dilma ou Cine Lula em nenhuma cidade brasileira – se houver, está exibindo “Lula, o Filho do Brasil” para ninguém.
O vale-cultura é outra ficção do governo Lula. Se existir, seu valor de face é zero, que é o valor da cultura para Lula e Dilma.
Mas ela promete corrigir isso:
“Nós criamos uma linha de financiamento do BNDES. Eu vou, no meu governo, ampliá, caso eu seja eleita, o acesso da população à cultura. Isso significa que a população brasileira tem direito a tê acesso a cinema, a teatro, a bibliotecas e a todos os espetáculos, da ópera clássica até as manifestações diversas dessa riqueza cultural imensa que nós temos”.
Todos os espetáculos? Uma Broadway em cada cidade? Óperas clássicas? Aida, com elefante e tudo, encenada em Picos do Piauí? Faça-me o favor. Bem, esse é o primeiro “movimento” do governo Lula/Dilma para a cultura: fazer mais cultura. E o segundo?
“O segundo processo, que é complementar a esse, se caracteriza pelo fato que você tem de garantir que haja uma produção de bens culturais discentralizada (sic), que respeite a nossa violenta, maravilhosa, fantástica diversidade cultural, tão rica quanto a biodiversidade, por exemplo, do país. Isso significa garantir acesso a todas a regiões do Brasil aos vamos dizer incentivos à cultura. Você não pode ter incentivos à cultura centralizados. Terá de tê essa diversificação pra podê captá essa diferença”.
Talvez por estar no Rio, e viver permanentemente em guerra contra as palavras, Dilma sapecou o “violenta diversidade cultural” – mais um indício de que Dilma e cultura não foram feitos uma para a outra. Terá de tê o quê, exatamente? O mais trágico é que Dilma não tem, obviamente, a mais vaga noção do que acabou de dizer e do que pretende fazer com isso na prática. Mas há ainda um terceiro processo (ué, ela não disse que eram dois? Espere: este é o melhor de todos):
“E tem uma terceira coisa que é muito importante. É que nós temos também de respeitá os locais onde a cultura se manifesta de forma mais intensa no Brasil, como é o caso do Rio de Janeiro, que tem uma simbologia muito grande pro Brasil. Nós sabemos que o que acontece no Rio de Janeiro, não é pretensão sua, viu Serginho, falo eu, falo eu, acontece no Brasil e no mundo. O Rio de Janeiro tem essa capacidade di fomentá a cultura, di torná a cultura um grande acontecimento pro país. Portanto, muitas vezes o Rio de Janeiro vai sê o local que os outros estados vão utilizá pra podê afirmá a sua cultura específica. Porque na verdade o Rio de Janeiro tem esse componente de sê o Brasil, de sê do Brasil, né? O que acontece aqui nós todos brasileiros encaramos como sendo do Brasil”.
Não é possível, viu Serginho, que você tenha sorrido e meneado com a cabeça porque entendeu o que a Dilma quer dizer – seria pretensão sua. O que a Dilma disse é rigorosamente ininteligível, é um escárnio a você, ao Rio e ao Brasil. Fico imaginando o Amazonas pedindo o Maracanã emprestado para fazer o Festival de Parintins. O Galo da Madrugada, do Recife, desfilando na Vieira Souto. Mas orgulhe-se, viu Serginho, por o Rio ter esse componente de ser do Brasil. Graças a você e à Dilma.
Sério, de novo: Dilma Rousseff só chegou onde está por conivência e omissão da mídia. Há quase um ano, como nunca antes neste país, ela produz um fluxo interminável de barbaridades e barbarismos, de grotescas impropriedades, de promessas tronchas que não fazem sentido e não têm a menor possibilidade de se materializarem. E os jornalistas que captam ao vivo essa catadupa de cretinices, e os que depois recebem a maçaroca nas redações, são incapazes de um questionamento, um aparte, um pedido de explicações, uma crítica.
Mea culpa, nossa máxima culpa: perto da futura presidente, o idiotizado Chance, de “Muito Além do Jardim”, é Aldous Huxley iluminado por Bertrand Russel.
Augusto Nunes
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