24/01/2011 - O Globo - RIO - Na agenda de Dilma Rousseff, outra negociação difícil à vista: mudança total em Furnas, joia do setor elétrico e considerada feudo do PMDB fluminense. Sob o risco de fechar o segundo ano consecutivo no vermelho, Furnas é cenário de uma queda de braço entre peemedebistas e petistas pelo controle da empresa sediada no Rio. A crise foi exposta em documento recente, elaborado por engenheiros da estatal, que vinculam o aparelhamento político da direção aos recentes prejuízos financeiros.
O texto, já entregue a autoridades federais e parlamentares, irritou o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), citado nominalmente pelos engenheiros como líder da ala peemedebista em Furnas. Ele acusou os petistas de estarem por trás das denúncias.
De acordo com fontes do governo, o atual presidente de Furnas, Carlos Nadalutti Filho, não ficará no cargo. O PMDB mineiro disputa a indicação com dois nomes: o deputado Marcos Lima e o senador Hélio Costa. Mas Dilma já avisou que deseja um nome técnico.
Desde 2007, quando o ex-prefeito Luiz Paulo Conde assumiu a presidência de Furnas, é conhecida a influência do PMDB em áreas estratégicas da empresa. Doente, Conde foi substituído por Carlos Nadalutti, também indicado pelos peemedebistas liderados por Cunha. O partido controlaria ainda as diretorias Financeira e de Construções.
Em 2009, a estatal encerrou o ano com prejuízo líquido de R$ 129,15 milhões, contra lucro líquido de R$ 454,52 milhões em 2008. Em março, quando será divulgado o balanço de 2010, espera-se um novo resultado negativo.
Nos últimos quatro anos, a entrada do PMDB na empresa foi alvo de polêmica e protestos. A Associação dos Aposentados de Furnas (Após Furnas) chegou a ir às ruas, em pelo menos duas ocasiões, para denunciar as pressões do grupo de Eduardo Cunha para destituir a direção e assumir o controle da Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários da empresa, um dos maiores do país.
Na nova queda de braço, engenheiros insatisfeitos com a gestão peemedebista enumeraram no documento medidas que, supostamente, teriam contribuído para a crise enfrentada pela estatal. Entre outros fatos, atribuíram à influência política a mudança, três vezes consecutivas em "curtíssimo espaço de tempo", da titularidade da Consultoria Jurídica.
O texto, depois de dizer que "a marca da gestão Eduardo Cunha (na estatal), iniciada com Luiz Paulo Conde, é o desrespeito às leis, estatutos e regulamentos que regem o mundo corporativo", informa que quadros técnicos com larga experiência têm sido destituídos, nos últimos anos, para dar lugar a indicações políticas.
O documento pede às autoridades que apurem as circunstâncias em que Furnas contratou uma empresa prestadora de serviços, supostamente com dispensa de licitação, para fazer o concurso público da estatal. Os autores também levantam dúvidas sobre as condições em que Furnas entrou na sociedade da usina hidrelétrica de Serra do Facão (GO). De acordo com eles, a estatal abriu mão da opção de compra para, posteriormente, fechar o negócio por valores bem acima dos originais.
Os engenheiros alertam que, como a autoestima dos funcionários está em baixa, há risco de debandada com a abertura de novo programa de demissões voluntárias.
No mês passado, reportagem do GLOBO mostrou que um parlamentar federal pressionou o empresário Ricardo Magro , apontado como chefe de um esquema de sonegação fiscal no Rio, a fechar negócio com um lobista chamado Itamar dos Santos Silveira, ex-assessor de Furnas. Em conversas com Magro gravadas pela Polícia Civil, durante a Operação Alquila, em 2009, este parlamentar ofereceu o próprio gabinete no Congresso para que o acerto sobre a compra de um ponto comercial em Brasília, para um restaurante, fosse concluído.
Do político, a polícia só conseguiu descobrir que usava um celular Nextel, pertencente à Rádio Melodia, para conversar com o empresário. Em discurso em plenário, Eduardo Cunha admitiu que era o usuário do aparelho, além de conhecer e ser cliente de Magro.
Itamar é uma figura conhecida dos bastidores de Brasília. Há três anos, ocupou um cargo de assessor especial no escritório de Furnas em Brasília. Considerado obscuro e arrogante, costumava dizer que estava lá por indicação de Cunha. Ele ficou poucos meses no cargo, ligado à Diretoria de Construção da estatal, mas, enquanto esteve no escritório, usou a sala de reuniões da estatal para encontros políticos.
Procurado pelo GLOBO, o deputado Eduardo Cunha respondeu que não se mete e nem nunca de meteu na administração de Furnas. Ao garantir que as diretorias de Operações e de Engenharia de Furnas são ocupadas por quadros do PT, ele os responsabilizou pelos recentes apagões do país. Também disse que ingressará na Justiça com um processo contra o jornalista que assina a reportagem, a quem acusou, em série mensagens postadas ontem em seu Twitter, de estar a serviço de setores do PT que atuariam dentro da estatal.
"Em primeiro lugar, o mesmo repórter já por mim processado e em campanha contra mim recentemente e que será alvo de novos processos, volta à carga tentando me criar novos embaraços que, certamente, acarretarão mais processos. Só falo com ele dessa forma. Quanto a esse novo questionamento, não existe e nunca existiu gestão Eduardo Cunha. Isso certamente é documento elaborado sob a liderança de setores de atraso que combati em meu Twitter", disse, em resposta enviada à redação por email.
"A bancada do Rio de Janeiro indicou, com a minha participação, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, que ficou doente 30 dias após a posse e teve que deixar a empresa após longo afastamento devido à grave doença que o acometeu. A substituição de Conde se deu por técnico da casa com mais de 25 anos, quadro esse que teve o apoio do partido", prosseguiu o parlamentar.
"Quanto à administração e seus resultados, cabe à empresa e aos seus dirigentes responderem, já que não tenho conhecimento, não participo de absolutamente nada referente à empresa", concluiu Cunha.
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