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domingo, 31 de julho de 2011

Leia a íntegra da entrevista de Nelson Jobim à Folha


O ministro Nelson Jobim participou da estreia do programa “Poder e Política – Entrevista” conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha de S.Paulo. Leia:
Folha/UOL: Olá internauta. Este é o primeiro “Poder e Política – Entrevista” produzido em parceira pela “Folha de S.Paulo”, pela Folha.com e pelo UOL. O programa é realizado no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O entrevistado de hoje é o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Jobim é gaúcho de Santa Maria. Nasceu em 1946 e tem 65 anos completados agora em abril. Estudou direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1987 tomou posse como deputado federal, em seu primeiro mandato. Ficou na Câmara dos Deputados até 1995. Participou ativamente do Congresso Constituinte de 1988.

Depois, Jobim foi ministro da Justiça de 1995 a 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Da Justiça foi para o Supremo Tribunal Federal, corte que presidiu de 2004 a 2005. Antes, de 2001 a 2003, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral.

No governo Lula, já fora do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim foi nomeado ministro da Defesa. E com a eleição de Dilma Rousseff permaneceu no cargo.

Olá ministro Nelson Jobim. O senhor foi ministro de três governos sucessivos. Com quem é mais fácil trabalhar: Fernando Henrique, Lula ou Dilma?

Nelson Jobim: Todos são fáceis de trabalhar. Cada um tem o seu estilo. A questão não é fazer comparações. Se você for fazer comparações, não dá solução e só cria problema. O Fernando [Henrique] tinha um estilo. O Lula tinha outro estilo. A presidente Dilma tem outro estilo. Mas são estilos absolutamente razoáveis. Pelo menos comigo as relações são absolutamente extraordinárias.

Folha/UOL: O senhor falava mais cotidianamente com Fernando Henrique, com Lula ou com Dilma?
Nelson Jobim: Com os três. Tendo em vista as relações do PMDB eu tinha uma grande integração com o Fernando [Henrique]. Trabalhei com o Fernando também, na Constituinte. Servi como uma espécie de assessor. Porque era advogado, tinha formação jurídica. Então eu tinha boa relação com o Fernando, tinha uma amizade mais íntima com o Fernando. Com o presidente Lula a mesma coisa, com menos intimidade. Eu frequentava a casa do Fernando e aquela fazenda que ele tinha aqui perto [de Brasília], aos finais de semana. Com o Lula tinha uma intimidade muito boa, sem nenhuma dificuldade. E a mesma coisa se passa com a presidente Dilma.

Folha/UOL: O senhor sempre foi do PMDB. Nessa época do Fernando Henrique, era do PMDB na Constituinte. Foi passando o tempo e o grupo que era próximo ao senhor foi para o PSDB. Não é novidade para ninguém que o senhor era muito amigo do deputado José Serra na Constituinte. Durante o ano de 2010, vários ministros fizeram campanha para a candidata do governo, Dilma Rousseff, que acabou vencendo. O senhor ficou meio afastado. Na eleição do ano passado, o senhor votou na presidente Dilma ou no candidato Serra?
Nelson Jobim: Fernando, eu não fiquei pouco afastado. Eu fiquei totalmente afastado. Ocorreu o seguinte: o ministro [Alexandre] Padilha, que à época era ministro das Relações Institucionais, distribuiu um ofício aos ministros do presidente Lula, para que gravassem alguma coisa para a televisão, para o programa da candidata do presidente.

Em uma reunião de articulação do governo, da qual eu participava, eu levantei o seguinte problema. Eu disse: “Olha presidente [Lula], eu estou com um problema. De um lado, por razões pessoais eu não tenho condições de fazer campanha para a ministra Dilma, uma vez que sou amigo íntimo do Serra. O Serra foi meu padrinho de casamento, eu morei com ele algum tempo aqui em Brasília. Quando vou a São Paulo normalmente eu janto com ele, vou ao Palácio [dos Bandeirantes] com minha mulher, nos damos muito bem. Por outro lado eu tenho também um impedimento de natureza institucional de fazer campanha para o Serra. Porque o governo do qual eu participo tem um candidato que é a ministra Dilma”. Aí o Lula disse: “Olha Jobim, fique fora disso. Eu sei claramente das suas relações com o Serra. Sei que você tem uma amizade íntima com o Serra de muitos anos”.  E avisou ao Padilha: “Olha, não envolvam o Jobim na campanha”. E eu votei no Serra.

Folha/UOL: O senhor contou para ela [para a candidata Dilma Rousseff] que o senhor iria votar no Serra?
Nelson Jobim: Ela sabia.

Folha/UOL: E isso nunca foi razão para que azedasse um pouco a relação? Até porque o senhor foi mantido no Ministério.
Nelson Jobim: Não. Azeda quando você esconde. Quando você não esconde, quando você é transparente, não tem como azedar. Tem como se resolver. O problema é quando você esconde, fica fazendo dissimulações. Daí dá problema. Eu não costumo fazer dissimulações, então não tenho dificuldades.

Folha/UOL: A presidente brinca com o senhor a respeito disso?
Nelson Jobim: Não, não se toca no assunto.

Folha/UOL: Sua manutenção no Ministério da Defesa foi muito atribuída ao presidente Lula. Ele dizia que era muito importante sua permanência porque gostava muito do seu desempenho no Ministério da Defesa. O senhor acha que a presidente Dilma resolveu mantê-lo no cargo e hoje tem segurança a respeito da sua permanência para consolidar o Ministério da Defesa que está completando 12 anos?
Nelson Jobim: Bom isso seria uma pergunta a ser dirigida a ela, não a mim.

O que aconteceu com o presidente Lula foi que eu ingressei no Ministério da Defesa em 2007, em face àquela crise da aviação civil. Lembra-se daquela crise? O caos aéreo etc etc.

Folha/UOL: O senhor acaba de completar quatro anos no Ministério.
Nelson Jobim: [Completei] ontem. Em 25 de julho de 2007 que eu assumi [o cargo de ministro da Defesa]. E o objetivo inicial era exatamente compor aquele problema da crise aérea. Nós trabalhamos naquele assunto, reduziu-se imensamente a crise aérea. O primeiro objetivo meu, naquele momento, era tirar a crise aérea da mesa do presidente, porque estava na mesa do presidente naquele momento.

Depois que baixou a temperatura da crise aérea, eu decidi me dedicar ao Ministério da Defesa stricto sensu, a parte das Forças [Armadas]. E tive uma sorte muito grande, porque estava aqui no governo o Mangabeira Unger, que era secretário de Assuntos Estratégicos [da Presidência da República].

Conversando com o Mangabeira, que era meu amigo, nós bolamos o início de um trabalho amplo de reforma completa e transformação das Forças que iniciou com a elaboração da estratégia nacional da defesa. Foi uma longa discussão, que se fez internamente com as Forças e houve um grande programa. Um programa que se completou no ano passado, em 2010, quando se aprovou a alteração da legislação relativa ao Ministério da Defesa. E consolida-se juridicamente e institucionalmente o Ministério da Defesa.

Mas uma coisa é você ter o desenho institucional. Outra coisa é você ter a eficácia. Havia uma série de ações a serem desenvolvidas. Então eu tinha o plano diretor, desde 2010, depois da aprovação dessa legislação, que era a implementação disso. Que era o plano que eu submeti à presidente Dilma quando ela me convidou para continuar. Disse: “olha, isso aqui é o que a gente tem que fazer”.

Folha/UOL: O senhor acha que depois de 12 anos da existência do Ministério da Defesa, já está pacificado nas Forças Armadas o fato de que eles sempre serão comandados por um civil no Ministério da Defesa? E os militares já se acostumaram a serem obedientes a esse comando civil?
Nelson Jobim: Veja, tem que compreender o processo histórico. Tem que voltar para 1987, 1988, quando começou o processo constituinte. Na verdade, a elite civil da época, os deputados, a parte política da época, não queria saber de defesa. A discussão de defesa era algo que todo mundo passava ao largo. Tanto defesa quanto segurança. Porque havia no imaginário de todos, oriundos de esquerda, ou de centro-esquerda, ou liberais democráticos, todos confundiam em seu imaginário a defesa e a segurança com repressão política. Então o assunto não era discutido.

A única discussão que tivemos em 1987 e 1988 foi a função das Forças Armadas. Foi a primeira manifestação constitucional de subordinação efetiva das Forcas Militares ao poder civil: quando autoriza e determina intervenção das Forcas Armadas para garantir a lei da ordem, desde que determinado pelos poderes constituídos.

Depois veio o Ministério da Defesa, com dificuldades. Eu no início participei das discussões, no governo Fernando Henrique, para criação do Ministério da Defesa. Era um processo complicado. Você tinha na época quatro ministros militares: o ministro do Exército, o ministro da Marinha, o ministro da Aeronáutica e o ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E ainda tinha o ministro que era general de duas estrelas que era o chefe da Casa Militar. Eram na verdade cinco ministros militares. Mas esses quatro seriam substituídos por um civil. Então houve um processo de transição na legislação de 1999 que foi feita dentro das condições políticas de então.

E depois de 1999 começou um processo de, digamos, de institucionalização efetiva do Ministério da Defesa. Não vou falar na época do governo Fernando Henrique, mas no governo Lula eu inclusive fiz uma análise sobre essas coisas. Eu creio que nós tivemos um primeiro momento do governo Lula, com o ministro [José] Viegas, em que houve um reformismo moderado. Ou seja, o ministro Viegas tentou estabelecer o reformismo dentro do Ministério da Defesa. Depois, com as crises que se deram com o ministro Viegas, ele acabou se afastando. E o presidente [Lula] convida Zé Alencar, que era o vice-presidente, bonachão, mineiro simpático, agradável. Eu chamei esse período do Zé Alencar como um período de acomodação estratégica. Porque o ambiente estava tenso. Superado esse ambiente veio o momento do ministro Valdir Pires e o coitado do Valdir veio a ser sufocado por algo com o que ele não tinha nada a ver, que foi exatamente crise aérea. Foi um momento de turbulência.

Eu divido minha tarefa num primeiro momento que durou até outubro de 2010, com a aprovação da legislação a que me referi, como um freio de arrumação. Tinha que mexer na aviação civil, mexemos. E tínhamos que começar a mexer também nas Forças.

Folha/UOL: O senhor falou de aviação civil. O Ministério da Defesa não tem mais que cuidar da aviação civil, porque foi criada a Secretaria de Aviação Civil. Isso representou, em certa medida, uma perda de poder para a Força Aérea Brasileira e para o ministério da Defesa. Alguém se recente disso na área militar?

Nelson Jobim: Vamos deixar bem claro que a aviação civil ficou no Ministério da Defesa por uma questão de tradição. Porque a aviação civil se formou junto com a força aérea Foi A Força Aérea Brasileira que criou a aviação civil e ela acabou ficando. A Infraero era da Força Aérea, o controle de espaço aéreo continua sendo da Força Aérea. Não havia agência de regulação.

Na época do Fernando Henrique, transfere-se a Infraero para o setor civil. E aí fica no Ministério da Defesa a aviação civil. Quando baixamos a temperatura do caos aéreo na época, sugeri ao presidente Lula que transferisse a aviação civil para o Ministério do Transportes, já que o Ministério dos Transportes era, teoricamente aquele que seria adequado.

Em dezembro [de 2010], quando a presidente Dilma me convidou, eu sugeri a ela que fizesse a mesma coisa. Ela resolveu então fazer a Secretaria da Aviação Civil. Só que demorou um pouco porque a pessoa que ela pretendia que fosse o ministro da Aviação Civil teria possibilidades de ingressar só no fim de fevereiro. Mas depois não pôde e, enfim, se criou.

Mas não houve perda. Poderia você dizer: “ah, houve perda de poder. Você deixou de controlar um setor do governo”. Isso é bobagem. O Ministério da Defesa tem sua função específica.

Folha/UOL: Mas de parte da Força Aérea Brasileira, algum ressentimento?
Nelson Jobim: Não nenhum. Ela já não tinha mais a regulação, que era da Anac. Já não tinha mais a infraestrutura aeroportuária, que era da Infraero, que era Civil. Somente tinha e continua tendo o controle do espaço aéreo com o Decea [Departamento de Controle do Espaço Aéreo]. A presidenta não pretende, pelo menos naquele momento em que conversamos, não pretende tornar civil, ter um controle de espaço aéreo civil e outro militar. Continuará o Decea que é o Departamento de Controle do Espaço Aéreo.

Folha/UOL: O senhor tem falado que certos documentos do passado do país, relacionados à área militar foram destruídos e que é muito difícil encontrá-los. Não seria possível abrir uma espécie de sindicância, um inquérito para saber como foi essa destruição?
Nelson Jobim: Isso tudo já foi feito. Veja, antes mesmo de [eu] entrar no Ministério da Defesa, na época a presidente Dilma era ministra da Casa Civil e tinha determinado criar uma comissão sobre documentos. Ela foi presidente [da comissão]. E enviou ao então ministro, o Zé Alencar, para determinar aos militares a entrega desses documentos. Foram encaminhados aos comandantes de Força os avisos. A Força Aérea inclusive colocou à disposição alguns documentos que ela havia encontrado nos seus arquivos. Mas o Exército e a Marinha disseram que não havia mais nenhum documento. Haviam sido incinerados há algum tempo.

Depois, essa comissão [presidida por Dilma Rousseff] determinou que o Ministério da Defesa abrisse um inquérito. Na época, [o ministro] era o Valdir [Pires]. O Valdir acabou atrapalhado com o problema da aviação civil e não tomou providências. Eu tomei providências nesse sentido. Mandei abrir os inquéritos. Vieram então as respostas das três Forças. A Força Aérea informou que tinha aqueles documentos que tinha posto à disposição. Entregou os documentos. Os demais informaram que os documentos tinham sido incinerados. E quando eles tinham informado que tinham sido incinerados, a ministra Dilma pediu então que se apresentasse o termo de incineração. Só que o termo de incineração, pela legislação vigente, exigia que os documentos fossem sigilosos. Eles informaram que não eram sigilosos e que foram incinerados normalmente.

Folha/UOL: O Senhor acha que ainda há como descobrir mais sobre esse processo? Há como responsabilizar alguém por esse fato?
Nelson Jobim: Internamente não. Não tem como. Como você não tem formalização do processo de incineração, você não tem como identificar de quem partiu o ato.

Folha/UOL: E os responsáveis, à época, pelos que acabaram incinerando?
Nelson Jobim: Pode eventualmente ocorrer pelos trabalhos da comissão da verdade que deverá ser criado pelo Congresso. Deverá ser aprovada agora em agosto. Aí poderá ser objeto, inclusive, de um estudo da Comissão da Verdade. Agora, documentos dentro das Forças não têm mais. Poderá eventualmente aparecer algum documento nas mães de terceiros, de alguns que guardaram. Mas eu espero que agora a Comissão da Verdade possa fazer um levantamento global de tudo isso.

Folha/UOL: O senhor nesse tema de acesso às informações públicas ajudou nos últimos dias a trabalhar um pouco no Congresso a aprovação da lei de acesso a informações públicas. Qual é sua expectativa no início agora do segundo semestre de que essa lei seja aprovada tal qual veio da Câmara dos Deputados encerrando aquele dispositivo de renovações sucessivas do sigilo?
Nelson Jobim: Houve uma objeção inicial. Vamos ser transparentes também sobre o processo histórico. Esse projeto que a imprensa carimbou de sigilo eterno que era aquela renovação sucessiva [do sigilo] dos documentos classificados em ultrassecretos. Tinham período de 25 anos e podia ser renovado indefinidamente. Essa renovação foi carimbada como sigilo eterno. Na verdade não é.

Folha/UOL: Por que não?
Nelson Jobim: Porque era uma comissão que a cada 25 anos iria examinar isso.

Folha/UOL: Poderia ser eterno...
Nelson Jobim: Poderia ser eterno. Mas não era carimbado como tal de forma absoluta. Poderia ser relativamente eterno em relação a algum, um ou outro documento.

Mas o fato é o seguinte: quando se discutiu isso no governo Lula, eu participei dessa discussão como ministro da Defesa. E de outro lado participou o secretário geral do Itamaraty, o Samuel Pereira Guimarães.

O Samuel sustentava, e eu acabei acompanhando ele nisso, aquele modelo que acabou sendo o projeto. Ou seja: que os ultrassecretos possam ser renovados de 25 em 25 anos. Qual é a preocupação? Minha preocupação eram os documentos relativos às nossas tecnologias sensíveis. Pesquisadas pelas Forças Armadas.

De outro lado, tinha a corrente que era liderada pela ministra Dilma, chefe da Casa Civil, e pelo Franklin Martins, que era da Secom [Secretaria de Comunicação Social da Presidência]. Os dois sustentavam que 25 anos ou 50 anos já eram suficientes, podia renovar só uma vez.

O Lula arbitrou pela solução proposta pelo Samuel e por mim.

Conhecendo o processo legislativo com uma certa profundidade, eu me preocupei em colocar também no texto, na época de que as tecnologias sensíveis não estavam sujeitas a essa lei.

Folha/UOL: Tecnologia sensível seria o quê?
Nelson Jobim: Vou te dar um caso. A técnica de construção brasileira do projeto nuclear. E que você tem uma tecnologia que nós inventamos e que o mundo todo namora essa tecnologia, que é um sistema complexo e de extrema eficácia. E que não pode ser revelado.

Então, com isso, se colocou no texto que essas tecnologias sensíveis não estavam sujeitas à lei. Também não estavam sujeitas à lei as questões relativas aos direito humanos. Ou seja: nenhum documento que envolvesse direitos humanos estava suscetível de classificação em secreto, ultrassecreto etc.

Com isso o presidente Lula mandou o projeto nesses termos. A Câmara alterou. É vitoriosa na Câmara a posição que era defendida pela Dilma e pelo Franklin. Vai para o Senado, onde há manifestação do presidente Collor e do Presidente Sarney e a presidente Dilma me chama para que eu possa conversar com os dois.

Eu conversei com o presidente Sarney no final de junho, no início de julho. Conversei com o presidente Collor e acertamos que agora, na reabertura do Congresso, voltaríamos a conversar para votar.

Eu estou defendendo já o texto que está na Câmara. Ou seja, recuo da minha posição primitiva à época de elaboração do projeto e não vejo nenhuma dificuldade. E tem mais uma coisa, estou me esquecendo. Aquelas matérias que dizem respeito à honra, à intimidade das pessoas, essas têm o sigilo natural de 100 anos no projeto.

Folha/UOL: O Senhor acha que o texto tal como está parado no Senado deve ser aprovado?
Nelson Jobim: É absolutamente compatível e razoável. Até porque tem uma coisa, Fernando. Vamos ser práticos. Daqui a 50 anos, se algum governo, que não será nenhum de nós, nem vamos saber por que até lá estaremos mortos... Daqui a 50 anos, se algum governo achar que tem algum documento que vai chegar o momento de ter que revelá-lo porque a lei assim determina, ele poderá alterar a lei. A maioria da época, democrática, vai resolver o problema. Também não vejo documentos que possam ter prejuízos daqui a 50 anos. Isso é bobagem.

Folha/UOL: O seu partido, o PMDB, não tem candidato à Presidência da República há muitos anos. É um partido que tem uma fama péssima, a gente sabe disso. Apoia vários governos, apoia o governo atual, e há vários grupos ali dentro. O senhor mesmo tentou ser presidente e agora tem se reunido com senadores do PMDB e já não está tão distante do vice-presidente da República Michel Temer. Como está hoje sua vida e participação no partido?
Nelson Jobim: Bem, vamos deixar claro: eu sempre fui um outsider. Nunca fui da estrutura do partido, inclusive no Rio Grande [do Sul]. Inclusive na época em que eu terminava o Congresso, em 1994, 1995, eu sustentava que o PMDB era uma grande federação de partidos regionais.

O PMDB do Rio Grande do Sul tinha completas diferenças do PMDB de São Paulo, Recife, Amazonas etc. Você tinha um conjunto de grandes partidos regionais e fortes.

Aliás, lembre-se que o PSDB teve origem de divergências internas do PMDB. O PSDB nasceu por quê? Porque o José Richa rompe com o Álvaro Dias no Paraná. Pimenta da Veiga rompe com Newton Cardoso em Minas Gerais. Fernando Henrique, Covas, Serra rompem com o Quércia. Aí se forma o PSDB. Nas disposições transitórias da Constituição tem um artigo que foi redigido por mim, a pedido do Pimenta para que possibilitasse a criação do PSDB sem aquelas dificuldades iniciais da legislação ordinária.

Bem, o fato é que o PMDB sempre foi, desde 1989, desde a derrota do dr. Ulysses Guimarães, um partido de grandes posturas regionais, de grandes líderes regionais. Nós não temos líderes nacionais. Não tem um líder nacional, de visibilidade nacional como tem o PT, como tem o PSDB. Tanto tem grande estrutura regional que tem grande participação na Câmara e no Senado.

Agora aconteceu um fato curioso. Eu estava operando na minha área, que nada tem que ver com política, a defesa. Sou chamado, num primeiro momento, em fevereiro ou março, para uma reunião na casa do deputado Osmar Terra, onde eles formavam uma facção. Primeiro uma reunião com deputados, uma corrente que se chama Afirmação de Democrática, do qual participo como um quadro, para discutir questões etc.

De outro lado, fui convidado para um jantar na casa do Luiz Henrique [senador por Santa Catarina], um grande amigo meu. Chega o Luiz e me chama com minha mulher, para jantar. Lá estava o Luiz, o Requião [senador pelo Paraná], o Moka [senador pelo Mato Grosso], o Jarbas Vasconcelos [senador por Pernambuco]. Todos amigos. Mas percebi que era um jantar que tinha sentido político. E aí surge discussão política. O que percebi, ouvindo, com toda cautela, ministro do governo, é que havia alguns discursos de natureza oposicionista de alguns deles.

Depois eu disse o seguinte: “estou percebendo que vocês querem que o PMDB tome sua posição e que vocês tenham um espaço dentro do partido. Para que vocês tenham espaço dentro do partido, vocês não podem se definir por uma oposição ao governo. Porque senão vocês estreitam a possibilidade do crescimento da conquista do partido”. Aí o Jarbas Vasconcelos afirmou: “você tem toda a razão. Não temos nada a ver com o problema do governo, vamos continuar no apoio ao governo, mas vamos disputar internamente o partido que é legítimo. Para tentar retomar uma posição de maioria em relação aos demais”.

Esse conjunto depois trouxe a uma reunião, em outro jantar, o presidente do partido, o senador [Valdir] Raupp, e o senador Renan Calheiros, que é líder [do PMDB no Senado]. E exigiram inclusive... Uma Medida Provisória aprovada na Câmara, um projeto de lei de conversão, introduzia um dispositivo que viabilizava a recuperação de bancos quebrados antigos, foi introduzida por um deputado federal do Rio de Janeiro na aprovação na Câmara. Nessa reunião os senadores pediram ao líder no Senado que, aprovando esse projeto de conversão vindo da Câmara, a presidente Dilma vetasse esse dispositivo que consideravam imoral etc. Eu creio que as coisas estão se organizando.

Folha/UOL: O senhor acha que esse grupo do PMDB que era mais dissidente...
Nelson Jobim: Começa a se aproximar. Não faz mais oposição ao governo. Tanto é que votou junto no salário mínimo. Aquele foi um momento importante, para cada um dos deputados individualmente. Tanto o grupo da Câmara quanto o do Senado votaram o salário mínimo no modelo do governo. Então não há dificuldades. Há dificuldades internas do partido. O que eu deixei claro é que você não pode trazer para dentro da disputa da situação nacional, as disputas regionais. Porque, se trouxer isto, vai dar problema. Quem é oposição, quem disputa o governo no Estado do Rio Grande do Sul? O PT de um lado, o PMDB de outro.

Folha/UOL: O senhor tem mantido uma relação mais próxima com o vice-presidente Michel Temer?
Nelson Jobim: Sim, tenho. Tenho várias reuniões com ele, almoço, conversamos muito, discutimos as questões políticas.

Folha/UOL: Não há ressentimento pelo senhor ter ensaiado uma disputa com ele pela presidência do partido?
Nelson Jobim: Vamos separar um pouquinho. Em política não há ressentimento. Tem uma regra que era do doutor Ulysses: em política, só para amadores [há ressentimento]. Em política, até a raiva é combinada. Não há ressentimento. Processos históricos vão se sucedendo. Há momentos que vão se superando.

Folha/UOL: Por falar em processo histórico, em 2006 o senhor já não tinha nenhum cargo publico, estava apto a disputar a eleição. Chegou-se a dizer que houve um ensaio para que o senhor talvez viesse a compor a chapa do presidente Lula como vice-presidente. O que ocorreu na época? Houve algum tipo de conversa nesse sentido?
Nelson Jobim: Não. Conversa comigo não houve. Houve mera especulação na imprensa. O presidente Lula nunca conversou comigo sobre este assunto.

Folha/UOL: O senhor, no começo do nosso papo, falou claramente que a presidente Dilma conhece claramente suas posições. Hoje, com alguns meses no governo Dilma, acredita que a presidente tem conduzido de maneira correta os problemas políticos que vão aparecendo? Porque ela é sempre apontada como alguém que não tinha muita experiência nessa área. Qual avaliação o senhor faz do manejo das duas crises mais recentes: Antonio Palocci na Casa Civil e Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes? Dilma atua de maneira correta?
Nelson Jobim: Se nós olharmos da perspectiva das ações de correção de governo, é absolutamente correta. Você poderá ter alguma crítica, que não é meu caso, de fazê-la em relação às questões que envolvam a Câmara e o Senado, as estruturas políticas. Mas você tem que fazer uma opção. Ou você se submete às estruturas, às injunções políticas, ou você impõe a essas injunções políticas determinadas posições. E ela tem força para isso. E isto é que pode alterar o tipo de funcionamento da Câmara e do Senado. Se você se acomoda às injunções da Câmara e do Senado, e eu conheço bem isso, você acaba se submetendo a eles. Ela [a presidente Dilma Rousseff] fez a opção contrária e eu acho que está absolutamente correta.

Folha/UOL: O senhor acha que está sendo bem sucedida essa atuação dela na crise do Palocci e agora na dos Transportes?
Nelson Jobim: Os parlamentares daquelas correntes, digamos, mais antigas, de imposições mais transparentes e com visão nacional, concordam absolutamente nas posições. Tanto na questão Palocci como na questão dos Transportes.

Folha/UOL: Ela não poderia ter evitado um pouco de fricção com esse Partido da República, o PR, que comanda o Ministério dos Transportes?
Nelson Jobim: Essa é aquela opção. Ou seja: se você valoriza não ter ficção, você tem que fazer concessões. Se você valoriza a afirmação de correções, você não pode fazer certas concessões.

Folha/UOL: O senhor faria a mesma coisa?
Nelson Jobim: Faria. Eu sou um estilo meio duro também, né.

Folha/UOL: O senhor acha que o governo Dilma age de forma muito distinta do que agiria um governo Serra se ele tivesse vencido?
Nelson Jobim: Não. Pelo contrário. Eu acho que seria a mesma coisa. O Serra teria também a mesma linha de opção. O Serra sempre foi visto dentro do PSDB, e no PMDB à época, como um articulador muito duro. É o tipo do negócio que você não tem condição de verificação da afirmação que a gente possa fazer. Diziam os analíticos neopositivistas lógicos, que eu estudei muito, diziam que isso é uma pergunta sem sentido porque você não tem como saber se a resposta é verdadeira ou falsa. Porque não tem como verificar. No entanto eu poderia dizer, conhecendo o Serra, que ele teria a mesma posição. Ou seja: absoluta correção na condução do problema.

Folha/UOL: Ou seja, não teria muita diferença o senhor votar em Serra ou Dilma então.
Nelson Jobim: Teria. Porque seria manter a minha coerência histórica com o Serra.

Folha/UOL: Aliás, teve essa polêmica recente, quando o senhor discursou no Senado nos 80 anos do Fernando Henrique. Dizendo que os idiotas perderam a modéstia. Muita gente entendeu que o senhor se referia a alguém no governo e o senhor disse que não, eram jornalistas. É isso mesmo?
Nelson Jobim: A frase tem que ser lida em sua inteireza. Primeiro, a frase não é minha. É de Nelson Rodrigues, que dizia que “hoje os idiotas perderam a modéstia”. Eu referia logo a seguir: “perderam a modéstia e continuam escrevendo para o esquecimento”. Escrevendo para o esquecimento é do Jorge Luis Borges, que dizia: “Los periodistas escribem para el olvido” e que “los periodicos son museos de minucias efímeras”. Estava me referindo exatamente às críticas que eram feitas ao Fernando na época, principalmente as criticas que eu sofri em 1995 quando nos alteramos a questão indígena, o tratamento da do programa de demarcação de terra indígena.

Folha/UOL: A presidente Dilma chegou a perguntar para o senhor o que queria dizer com isso?
Nelson Jobim: Não, não. Ela até riu. Porque no dia seguinte, isso foi numa sexta-feira. Participei da homenagem ao Fernando, de manhã, e depois fui falar com o presidente Collor. No sábado nós tínhamos marcado uma reunião no Palácio [do Planalto] para discutir o problema dessa legislação [de acesso a informações públicas]. Então quando cheguei para a discussão, era de manhã, estava a ministra da Casa Civil [Gleisi Hoffmann], a ministra das Relações Institucionais [Ideli Salvatti], o Luís Eduardo [ministro da Justiça] e a ministra Maria do Rosário [Secretaria dos Direitos Humanos]. Ao entrar, [sem dizer quem falou a frase]: “ué, a imprensa agora acha que estamos brigando?”. “É que a imprensa não sabe ler. Continua não sabendo ler” [risos].

Folha/UOL: O senhor assumiu durante a crise aérea. Um dos acidentes marcados pela repercussão foi aquele da Gol em que houve o choque com o jatinho. O senhor achou apropriada a sentença que foi aplicada aos pilotos do jatinho de cumprir trabalhos voluntários em repartição brasileira, sendo que eles estão nos Estados Unidos?
Nelson Jobim: Fernando, eu sou juiz. Eu fui juiz. Sentença não se discute, ou cumpre ou não se cumpre. Quando não se cumpre, se executa.

Folha/UOL: O senhor gostou da sentença?
Nelson Jobim: É a opção do juiz e não me cabe fazer isso. É a mesma coisa de eu discutir, por exemplo, se eu devo ter gostado da sentença da condenação do Brasil na questão do Araguaia. Eu estou cumprindo tudo o que determinou a juíza. Não tenho nenhum juízo a fazer sobre valores. Esse é o processo democrático. Você tem funções e distinções. Na condição de ministro da Defesa eu tenho a obrigação legal de cumprir todas as determinações naquela questão do Araguaia. Não tenho nada que emitir juízo, se a sentença está certa ou está errada, isso é questão ultrapassada. Nós temos é a capacidade de superar esse tipo de debate. O tipo do debate inútil. Quem pode não gostar das coisas são as pessoas diretamente envolvidas. As pessoas institucionalmente comprometidas têm que cumpri-las e pronto.

Folha/UOL: Notícia recente da imprensa agora disse que o ministro Dias Toffoli foi convidado para uma festa de casamento na Itália e as despesas do hotel foram pagas pelo noivo, que vem a ser um advogado, e tem questões no Supremo relatadas pelo próprio ministro Toffoli. O senhor acha apropriado um ministro do Supremo aceitar um convite desses?
Nelson Jobim: Não vejo dificuldades. Qual é a relação que se estabelece em se aceitar um convite? É que esse convite poderia criar facilidades ao advogado. Não é o caso. Com Dias Toffoli não é o caso.

Folha/UOL: Não seria prudente não aceitar?
Nelson Jobim: Não. Eu não vejo... É uma decisão pessoal. Conheço muito bem o Toffoli, ele tem absoluta independência. No Supremo você tem uma coisa curiosa principalmente com relação à imprensa. Você se lembra, quando eu era ministro do Supremo na época do governo Fernando Henrique, a imprensa e, principalmente, o PT me chamavam de líder do governo no Supremo Tribunal Federal. Depois assumiu o Lula. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral, presidi a eleição de 2002. Assume o presidente Lula. Em quatro ou cinco meses a imprensa já está me chamando de líder do governo Lula no Supremo. Por quê? Porque estava defendendo as questões de Estado e estava criando alguns problemas em relação às vitórias de determinados tipos de advogados que têm honorários que dependem dos resultados. Ou seja: dos resultados positivos. Não vejo problema nenhum. Acho que isso é um exagero de achar que a vida pessoal desse personagem possa causar influência nas decisões.

Folha/UOL: O senhor vai ficar ministro ou deseja ficar no Ministério até o final do governo Dilma?
Nelson Jobim: Olha, eu deixo que as coisas aconteçam. Quando eu sai do Supremo eu copiei aquele verso do Zeca Pagodinho. “Deixa a vida me levar”. E se a gente fica tentando marcar prazos e tempos só cria problemas e você não cria soluções. Então deixa as coisas correrem. As coisas vão andando. No momento em que as coisas resolverem sair, sai. Aliás, a minha vida inteira foi assim. A minha avó materna, que era uma pessoa interessante, do partido libertador, maragata, antiga, dizia de mim que eu tinha mais sorte do que juízo. Eu continuo achando que eu tenho mais sorte do que juízo. Eu continuo achando que eu tenho mais sorte que juízo. Então prefiro deixar que a sorte comande, não o juízo.

Folha/UOL: Se for do desejo da presidente Dilma, o senhor gostaria de ficar até o final do governo?
Nelson Jobim: Não existe esse condicionante de gostaria ou deixar de continuar. As coisas vão se dando, as coisas vão acontecendo. O processo histórico não é um processo que depende de eu gostar ou deixar de gostar.

Folha/UOL: o senhor tem 65 anos, está ativo, é ministro é do PMDB. Deseja disputar algum cargo eleitoral novamente?
Nelson Jobim: Não. Esse projeto político já desapareceu. Aliás, alguns me perguntam por que eu sou ministro. Você tem pelo menos três razões para ser ministro. Ou porque você tem um projeto político. Não é meu caso. Ou porque você quer agregar alguma coisa à sua biografia. Também não é meu caso. Ou porque lhe é prazeroso. Que é meu caso. No momento em que a coisas deixar de ser prazerosa eu saio fora. Projeto político não tem mais nenhum, acabou em 1994 quando eu não concorri à reeleição e apoiei inclusive o Fernando Henrique contra o candidato do partido [PMDB] que era o Orestes Quércia.

Folha/UOL: Ministro Nelson Jobim, da Defesa, muito obrigado por sua entrevista aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
Nelson Jobim: Obrigado a você.

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