Você é muito bem-vindo aqui!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A censura a um dicionário, o que o livro diz sobre “direita e esquerda” e, de novo, o preconceito racial e os JEG

28/02/2012
às 7:59
Uma notícia que me enviaram ontem, publicada no Portal Terra, me deixou de queixo caído. Reproduzo trechos:
“O Ministério Público Federal (MPF) em Uberlândia (MG) entrou com uma ação contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss para a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição das edições do Dicionário Houaiss, que contêm expressões pejorativas e preconceituosas relativas aos ciganos. Segundo o MPF, também deverão ser recolhidos todos os exemplares disponíveis em estoque que estejam na mesma situação.”
E por quê? A reportagem explica:
“O objetivo da ação é obrigá-los a suprimir do dicionário quaisquer referências preconceituosas contra uma minoria étnica, que, no Brasil, possui hoje mais de 600 mil pessoas. Para o MPF, os significados atribuídos pelo Dicionário Houaiss à palavra ‘cigano’ estão carregados de preconceito, o que, inclusive, pode vir a caracterizar crime. ‘Ao se ler em um dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura ‘cigano’ significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, ou, ainda, que se trata de acepções carregadas de preconceito ou xenofobia, fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação’, diz o procurador Cléber Eustáquio Neves. O procurador explica que ‘o direito à liberdade de expressão não pode albergar posturas preconceituosas e discriminatórias, sobretudo quando caracterizada como infração penal’. Segundo ele, a significação atribuída pelo Houaiss violaria o artigo 20 da Lei 7.716/89, que tipifica o crime de racismo.
Voltei
É um escândalo! Está faltando serviço ao doutor Cleber. Na versão online do dicionário, não se encontram as tais expressões, publicadas apenas na versão impressa. Como atesta o próprio procurador, o referido dicionário chama a atenção para o fato de que aquelas definições têm caráter pejorativo — e, pois, não podem ser tomadas como expressão da verdade.  O que me escandaliza em casos assim é que isso tudo custa dinheiro ao contribuinte. O doutor Cleber é pago — e muito bem-pago — com o nosso dinheiro. Sua ação mobiliza funcionários públicos e a estrutura do estado. O que ele está pedindo, de maneira aberta, desabrida, sem receios, atende por “censura”. Em nome da SUPOSTA preservação dos direitos de uma minoria, quer impor uma canga na linguagem. UMA COISA É INFORMAR O SENTIDO PEJORATIVO QUE ASSUMIU UMA DETERMINADA PALAVRA OU EXPRESSÃO; outra, distinta, é tomar esse sentido como expressão da verdade, o que o dicionário não faz. Basta ler.
Fui chamado por um tal Leandro Fortes —  consta que é jornalista — de “Exu”; ele pretendia, assim, me atacar. O “Exu” como sinônimo de demônio é, informei aqui, a distorção a que colonizadores submeteram uma entidade religiosa que tem origem na África negra. Isso tudo tem história. Padre Anchieta, por exemplo, fazia o seu trabalho de catequese recorrendo a peças de teatro. No “Auto de São Lourenço”, que vocês encontram na Internet, o Bem e o Mal disputam a alma dos índios. Não por acaso, os demônios bebem cauim e cultivam os valores… indígenas! Já a salvação é cristã.
Os idiotas diriam sem pestanejar sobre o padre: “Era preconceituoso e racista”. Os que têm algo entre as orelhas além do nariz entenderão que nem se pode ver o “outro” hoje em dia como Anchieta o via, com os valores do século 16, nem se pode voltar ao século 16 para julgar o jesuíta com os olhos de hoje. É por isso que não faz sentido censurar Monteiro Lobato por conta do que escreveu sobre Tia Nastácia. É por isso que cumpre que não se trate hoje uma mulher negra como Lobato tratou Tia Nastácia. Entendeu, Paulo Henrique Amorim? Ainda volto a você, rapaz! Não com a esperança de civilizá-lo, mas de evidenciar a sua estupidez.
Distorções
Dicionários têm distorções? Aos montes! Devemos censurá-los por isso, retirá-los de circulação, queimá-los em praça pública? Ora… Eu jamais havia procurado, por exemplo, os termos “direita” e “esquerda” no mesmo Houaiss que aquele procurador quer, estupidamente, ver recolhido. Decidi fazê-lo. É de estarrecer. Reproduzo as acepções políticas dos dois vocábulos:
Direita
o conjunto dos diversos agentes políticos de uma sociedade (parlamentares, imprensa, setores organizados etc.) que adotam pensamentos e práticas refratárias a transformações na ordem social, especialmente as que implicam a instauração de igualdade política e/ou econômica entre os cidadãos.
5.1 - parte da população que defende as mesmas idéias e crê nos mesmos pressupostos que os parlamentares de direita, que geralmente consistem na oposição a mudanças na ordem estabelecida que venham a favorecer as classes populares e, às vezes, na defesa de governos autoritários; reação.
Ex: a direita votou nas últimas eleições contra os trabalhadores.
5.2 - cada um dos partidos conservadores
E então? Ficamos sabendo, segundo o Houaiss, que De Gaulle, Churchill e Adenauer eram contra a “igualdade política e econômica entre os cidadãos”. O que lhes parece?
Vejamos o que o mesmo dicionário diz da esquerda:
Esquerda
conjunto de membros de uma assembléia parlamentar que lutam por idéias avançadas, em oposição aos conservadores [Originariamente, à época da Revolução Francesa, a bancada representativa dessas tendências ficava à esquerda do presidente; na câmara e no senado dos E.U.A., os democratas (menos conservadores) sentam-se à esquerda, e os republicanos (mais conservadores), à direita.]
4-
conjunto dos indivíduos de uma nação, ou mesmo de uma comunidade supranacional, que acreditam na superioridade dos regimes socialistas ou comunistas sobre outras formas de organização econômico-políticas, especialmente o capitalismo, com sua fé no mercado como regulador de tudo, atribuindo, portanto, ao Estado o dever de intervir na economia, e que advogam o dever do Estado em prover o bem-estar dos cidadãos, tendo ainda como uma de suas principais metas acabar com as desigualdades sociais inerentes ao regime capitalista.
Publiquei ontem um post, vejam abaixo, sobre os 70 parlamentares mais ricos da China, que têm um patrimônio de quase US$ 90 bilhões. Já toda a elite política do estado americano não chega a ter US$ 8 bilhões. Segundo o Houaiss, Stálin, Mao Tse-Tung, Pol Pot, Kim Jong-Il, Fidel Castro e a canalhada toda queriam “prover o bem-estar dos cidadãos”. Mais: as desigualdades sociais seriam “inerentes ao capitalismo”.
Evidentemente, o tal procurador não vai querer retirar o Houaiss de circulação por isso. Não sei por quê, temo que ele possa concordar com essas óbvias distorções, com o que chega mesmo a ser mentira. Talvez o fato de o dicionarista Antônio Houaiss ter sido um lingüista dedicado, mas também um socialista, o tenha levado a condescender com essa besteira. Mas que se note: de maneira um pouco menos eloqüente, tais bobagens estão também no Aurelião.
É assim em dicionários de outras línguas, de outros países? Não! Estão disponíveis na Internet. Ainda que a direita seja associada ao conservadorismo — e, no terreno dos valores, está correto —, é muito raro que se associem “direitismo” e “conservadorismo” a autoritarismo ou a práticas totalitárias, tanto quanto não se atribui à esquerda esse doce monopólio da virtude e da busca da igualdade.
Eu quero, por isso, cassar e caçar os exemplares do Houaiss? Eu não! Porque entendo que coisas assim têm de ser apontadas, debatidas, confrontadas com os fatos, mas sem esse viés purificador dos novos “inquisidores do bem”.
E de volta ao confronto HP x PH
Heraldo Pereira e Paulo Henrique são mesmo opostos em tudo, como se nota — inclusive nas respectivas trajetórias: uma ascendente, a outra descendente. “Então, Reinaldo, você é contra a censura ao Houaiss, mas quer censurar o Paulo Henrique?” Ao admitir a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra este senhor por crimes de racismo e injúria racial, a Justiça já decidiu que não se trata de censura coisa nenhuma! Ao contrário: viu nos ataques indícios de crime.
Paulo Henrique não está no século 16, mas no 21. Ele tem plena consciência do que significa “negro de alma branca”. Se o dicionário de Houaiss, no que concerne aos ciganos, deixa claro que as desqualificações são pejorativas, chamando a atenção para a acepção preconceituosa, Paulo Henrique instrumentalizou, de forma consciente e reiterada, o conteúdo preconceituoso para atingir Heraldo Pereira. Tinha todo o direito de criticar a análise feita pelo jornalista ou sua reportagem, mas preferiu apelar à cor de sua pele, inferindo que ela estava na raiz do seu suposto equívoco.
De resto, flagrado no ridículo de mobilizar meia-dúzia de brancos para ensinar a Heraldo como ser um “negro consciente”, Paulo Henrique decidiu convocar alguns militantes negros ligados às teses racialistas para atingir o jornalista, como a dizer: “Vejam aí, esses negros não se entendem; o meu desafeto não tem lugar nem entre os brancos nem entre os negros”. Na prática, o que PH pretende é que HP não tenha a voz de um jornalista que, no caso e por acaso, é negro. Ele exige que Heraldo, na sua profissão, seja antes um negro para, só então, ser jornalista. Isso tem implicações: brancos podem ser principalmente jornalistas em sua profissão. Negros, como Heraldo, mesmo em sua profissão, teriam de ser principalmente negros. Jornalistas brancos poderiam falar de política, economia, cultura, direito etc. A negros jornalistas ficaria reservado debater os problemas dos negros!
Isso é racismo da pior espécie! Não é assim porque eu quero. É assim porque as palavras fazem sentido — ainda que os dicionários andem a merecer reparos, e as palavras, reparações.
PS - Os “JEG” (Jornalistas da Esgotosfera Governista) perdem tempo em ficar me demonizando. Façam ao menos um esforço para argumentar melhor do que eu. Eu sou diferente de vocês: não quero eliminar meus adversários. Até torço para que eles sejam melhores. O chato de contestar um dos “JEG” é a baixa qualidade do jogo…
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-censura-a-um-dicionario-o-que-o-livro-diz-sobre-%E2%80%9Cdireita-e-esquerda%E2%80%9D-e-de-novo-o-preconceito-racial-e-os-jeg/ 

Nenhum comentário:

Postar um comentário