POLITICANDO: Oscar faz ode às origens do cinema em tempos de crise

Oscar 2012

Edição 2012 do prêmio consagrou 'O Artista' e 'A Invenção de Hugo Cabret', longas que homenageiam o cinema do começo do século passado, e deixou transparecer tédio com a falta de boas ideias que assola os filmes americanos nos últimos anos

Em cerimônia marcada por homenagens a filmes clássicos e musicais, o Oscar deixou bem claro que espera a volta do cinema às suas origens. Não foi à toa que a Academia deu as estatuetas de melhor filme e direção, além de outras três, ao francês O Artista, o primeiro longa estrangeiro a levar o grande prêmio. Mudo e em preto e branco, igualzinho aos filmes do começo do século passado, ele relembra a era de ouro do cinema mudo e a sua decadência com a chegada dos filmes falados. De maneira semelhante, A Invenção de Hugo Cabret, também premiado com cinco estatuetas, homenageia as origens do cinema e o cineasta francês Georges Méliès, de Viagem à Lua (1902), completamente esquecido com o fracasso comercial provocado pela Primeira Guerra Mundial. Guardadas as devidas diferenças, é possível dizer que o cinema hollywoodiano se vê nos personagens de Méliès (vivido por Ben Kingsley) e de George Valentin (Jean Dujardin em O Artista).

O cinema americano está em crise, prova disso é o uso abusivo de tecnologia de ponta e de filmes em 3D como forma de tentar alavancar a decrescente bilheteria. O ano de 2011 teve a pior arrecadação desde 1995: foram apenas 10,2 bilhões de dólares. Hollywood pede socorro. E foi exatamente esta a sensação transmitida pela 84ª edição do Oscar, exibida na noite deste domingo.

No discurso de Morgan Freeman, que deu o pontapé inicial a esta edição, já dava para notar o tom que se seguiria durante toda a premiação. "Desde 1929, o cinema continua emocionando as pessoas. Seja em película ou animação, mudo ou falado, em cores ou em preto e branco, todos eles emocionam com a sua mágica", disse o ator, vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Menina de Ouro, em 2005.
O ritmo pessimista continuou com o apresentador oficial deste ano (e de muitos outros), o ator Billy Crystal, que logo em suas primeiras frases chamou o tradicional teatro Kodak de "teatro da bancarrota". O local é a casa oficial do Oscar há mais de dez anos, mas deve perder a Kodak como patrocinadora em breve -- daí o ator evitar mencionar o nome da empresa. E Crystal não parou por aí. "Nada nos faz esquecer mais da crise econômica do que ver um monte de milionários entregando estátuas de ouro uns aos outros", disparou o apresentador, lembrando que a crise criativa enfrentada pelo cinema é na verdade reflexo de uma recessão maior, de ordem econômica.
Embora a Academia tenha optado por não exibir as tradicionais apresentações das músicas indicadas aos prêmios da noite -- em parte por haver apenas dois indicados, e também porque toma muito tempo --, a cerimônia não foi menos tediosa do que em anos anteriores. Os primeiros blocos do Oscar foram recheados de homenagens desde o início. Houve tempo até mesmo para um número musical com uma apresentação do Cirque du Soleil. Além das tradicionais sátiras de Crystal aos filmes do ano, que continuaram até a entrada dele no palco por um caminho de rolo de filme com imagens de longas do ano passado, e que contaram com o cantor teen Justin Bieber para atrair a plateia adolescente, houve ainda uma homenagem a filmes clássicos (de Ghost - Do Outro Lado da Vida a Austin Powers) após a categoria de melhor fotografia. Justiça seja feita, foram exibidas também cenas de filmes cult, mas a maioria dos trechos era de filmes populares e que renderam as maiores bilheterias das últimas décadas.
O gosto pelo comercial também ficou expresso em outro comentário feito por Crystal. "A saga Harry Potter acabou no ano passado. É uma pena. Os filmes deles renderam 7 bilhões de dólares. Eu gosto disso", afirmou o apresentador. No ano passado, o último filme da franquia liderou com folga a lista dos longas mais lucrativos, com receita de 1,3 bilhão de dólares -- 300 milhões a mais que seus sucessores na preferência do público, Transformers - O Lado Oculto da Lua e Piratas do Caribe.
Pior ano -- A crise, econômica e criativa, torna a disputa pelo Oscar previsível. Em algumas categorias do Oscar 2012, a falta de candidatos para uma concorrência justa era tamanha que ficou fácil apontar com bastante antecedência os vencedores. Foi o caso do troféu de melhor atriz, que foi para a veterana Meryl Streep por A Dama de Ferro (no qual ela interpreta a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher), ao invés de Viola Davis em Histórias Cruzadas, e o de ator coadjuvante para Christopher Plummer, de 82 anos de idade, por Toda Forma de Amor, única atuação que merecia concorrer ao prêmio.
Os prêmios técnicos, como fotografia, direção de arte, efeitos visuais, mixagem e edição de som, foram todos para A Invenção de Hugo Cabret, o primeiro longa em 3D do diretor Martin Scorsese. Desse modo, Hugo ficou atrás de O Artista: mesmo amealhando o mesmo número de estatuetas, se destacou em caregorias menores, enquanto o rival francês faturou três das quatro categorias principais da premiação. Não deixa de ser sintomático, aliás, que o grande vencedor da noite venha de fora dos Estados Unidos. E que lembre aos americanos que um dia eles já foram os grandes faróis dessa arte, título que se esforçam por manter e que muitos desejam que consigam. Como mostram os números da bilheteria, não é apenas a academia que espera que Hollywood volte a criar com brilho. O público também espera por isso.

Tom Fleischman e John Midgley recebem o Oscar de melhor mixagem de som pelo filme "Hugo" - Robyn Beck/AFP

Robert RIchardson, recebe o Oscar de melhor fotografia pelo filme "Hugo" - Robyn Beck/AFP

Ben Grossman, Rob Legato and Joss Williams recebem o Oscar de melhores efeitos visuais pelo filme "Hugo" - Robyn Beck/AFP

Alexander Payne (centro), Nat Faxon (esquerda) and Jim Rash recebem o Oscar de mehor roteiro adaptado pelo filme "O Artista" - Robyn Beck/AFP

Kirk Baxter e Angus Wall vencem na categoria melhor edição com "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" - Robyn Beck/AFP

Dante Ferretti e Francesca Lo Schiavo recebem o Oscar de melhor direção de arte pelo fime "Hugo" - Kevin Winter/Getty Images

Mark Bridges, vencedor na categoria e melhor figurino com o filme "O Artista" - Kevin Winter/Getty Images

J. Roy Hellan e Mark Coulier recebem a estatueta de melhor maquiagem pelo fime "A Dama de Ferro" - Kevin Winter/Getty Images

Terry George e Oorlagh George levam a estatueta de melhor curta metragem por "The Shore" - Kevin Winter/Getty Image

Rich Middlemas, T.J. Martin, Dan Lindsay recebem o prêmio de melhor documentário com "Undefeated" - Robyn Beck/AFP

Michel Hazanavicius, diretor de "O Artista" com o Oscar de melhor filme - AFP

O produtor de "O Artista", Thomas Langman, com o Oscar de melhor filme - Getty Images

Jean Dujardin, vencedor na categoria melhor ator no Oscar 2012 - Reuters

Tom Cruise apresentando a categoria de melhor filme no Oscar 2012 - Reuters

Meryl Streep, vencedora na categoria melhor atriz no Oscar 2012 - Reuters

Jean Dujardin, vencedor na categoria melhor ator no Oscar 2012 - AFP

Michel Hazanavicius com o Oscar de melhor diretor pelo filme "O Artista" - Reuters

William Joyce e Brandon Oldenburg com o Oscar de melhor curta-metragem de animação por "The fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" - Reuter

Daniel Junge e Sharmeen Obaid-Chinoy recebem o prêmio de melhor documentário em curta-metragem por "Saving Face" no Oscar 2012 - Reuters

A cantora Esperanza Spalding durante a cerimônia do Oscar 2012 - Reuters

Retrato de Whitney Houston durante homenagem no Oscar 2012 - Reuters

O ator Bret McKenzie recebe o prêmio de melhor canção por "Muppets" - Reuters

Ludovic Bource recebe o prêmio de melhor trilha original por "O Artista" - Reuters

Angelina Jolie durante a cerimônia do Oscar 2012 - Reuters

O diretor Gore Verbinski recebe o prêmio de melhor animação por "Rango" - Reuters

Acessorista entrega doces no intervalo do Oscar 2012 - Reuters

Christopher Plummer, vencedor como ator coadjuvante do Oscar 2012 - Reuters

Gwyneth Paltrow e Robert Downey Jr. na cerimônia do Oscar 2012. Engraçadinho, ele fingiu estar fazendo um documentário ao vivo sobre o que é ser um apresentador - Reuters