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domingo, 18 de dezembro de 2011

Com a morte de Hitchens, mundo fica mais burro e mais conforma


christopherFalei há pouco com o querido Gerald Thomas, que está arrasado com a morte de escritor, jornalista e polemista britânico Christopher Hitchens (foto), de quem era amigo havia muito tempo. Um câncer o levou, aos 62 anos. A dor de Gerald é intelectual e amorosa. A minha só tem essa segunda natureza, e estou particularmente triste por meu amigo. Adiante!
Começo por aquilo de que não gostava em Hitchens, como talvez ele próprio recomendasse. Achava a sua contestação das religiões muito abaixo do que ele era capaz de produzir em outras áreas em termos de brilho de argumentação, agudeza retórica e verdadeiramente endiabrada capacidade de debater. Deus Não é Grande, acho, não é grande; tivesse ele, nesse particular, o mesmo particularíssimo olhar que lançava sobre as outras coisas, veria no laicismo moderno o triunfo do senso comum que tanto combatia. Mas ele tinha, como todos nós, as suas obsessões e as defendia nunca com unhas e dentes. Sempre com palavras. A saída, não raro, de seus adversários era uma só: “Ele me ofendeu!”
Ex-trotskista sem nunca ter-se transformado num “reacionário”, como acusavam as esquerdas — elas são iguais em toda parte —, deu surras memoráveis nos críticos da guerra do Iraque, por exemplo. E olhem que, por óbvio, sempre foi mais difícil defendê-la. E ia enfileirando adversários. Era um escritor brilhante. Sua cultura gigantesca o tornava temível num debate, mas era seu estilo que mais feria. Hitchens era impagável na definição de tipos, associando, por exemplo, eventuais características físicas às escolhas dos alvos de suas diatribes. Aí vinha o chororô: “Ele faz crítica ad hominem” — um acadêmico brasileiro escreveria “ad hominen”…
Morava nos EUA, onde o debate intelectual é menos covarde do que no Brasil. Hitchens bebia em proporções industriais, e seus adversários não hesitaram um só momento em chamá-lo de bêbado irresponsável. E, obviamente, achavam esse tipo de resposta muito justa. Morreu o jornalista e intelectual que acreditava que os consensos, especialmente o dos homens “bonzinhos e bem-intencionados”, com freqüência, representam a morte da inteligência.
Hitchens era acusado, com freqüência, de pensar só para escandalizar, só para ser do contra. Olhem que, fosse assim, já não seria um comportamento desprezível na era das “pessoas generosas”. Mas não se tratava disso, é claro! Aqueles que partilham dos tais consensos, aqueles que se filiam a determinadas idéias que consideram naturalmente boas e óbvias, acham de tal sorte absurdo que se possa divergir que inferem que o outro só pode estar movido por má fé ou má consciência. Daí a propor que o outro seja excluído do debate porque, afinal, não está colaborando com o bem comum vai um pulo.
Eu discordava de Hitchens — às vezes, vivamente. Mas eu o considerava absolutamente necessário! O mundo fica mais burro e mais conformado.
Por Reinaldo Azevedo
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