Política
Uma oposição que participou como espectadora das crises provocadas pela sequência de quedas de ministros é o inimigo dos sonhos de qualquer governo
Branca Nunes
Deputados da oposição protestam no plenário da Câmara antes da votação da MP da Copa (José Cruz/ABr)
Para os parlamentares, o problema está na minoria desoladora – acentuada pela criação do PSD, em 27 de setembro
Em todos esses episódios, aliás, os alvos das denúncias atribuíram as acusações a tramas de oposicionistas que nunca existiram (nem as tramas nem os oposicionistas). Em 2011, a rigor, não houve oposição partidária. Os governadores tucanos comunicaram à nação, em um encontro em Maceió realizado em dezembro de 2010, que brigar com os donos do poder federal não é tarefa para ocupantes de cargos executivos. “Não cabe aos governadores fazer oposição ao governo federal”, concordou o deputado Sérgio Guerra, presidente do PSDB. “Essa é uma tarefa partidária, que está mais afeita à bancada do partido na Câmara e no Senado”.
Na Câmara, o silêncio estrepitoso de Guerra prova que o deputado rejeitou a própria sugestão. No Senado, Aécio Neves (PSDB-MG), que ao assumir promoveu-se a líder da oposição, demorou quatro meses para subir à tribuna com um pronunciamento anunciado com pompa e circunstância. Fez um discurso morno, desceu e desapareceu. Nem as acusações que desabaram sobre Fernando Pimentel fizeram com que o neto de Tancredo Neves recuperasse a voz e dispensasse algumas palavras a respeito do seu aliado nas eleições de 2008.
Minoria desoladora - Para os parlamentares, o problema está na minoria desoladora – acentuada pela criação do PSD, em 27 de setembro. “Vivenciamos uma situação dramática”, reconhece Álvaro Dias. “A oposição nunca foi tão pouco numerosa”. Dias está certo. Em 1970, o Movimento Democrático Nacional (MDB) – partido de oposição ao regime militar – examinou a hipótese da autodissolução por ter conseguido eleger apenas 87 dos 310 deputados (28%). Hoje, o PSDB, o PPS, o DEM e o Psol, juntos, têm 90 dos 513 deputados (17%). No Senado, a realidade é um pouco menos dramática: 17 senadores (20%), mais 10 dissidentes de partidos da base aliada, que eventualmente votam contra o governo. Em 1970, eram 10%.
“Fizemos o máximo que pudemos”, consola-se Dias. “Não temos número suficiente para instalar uma CPI, mas esgotamos todos os instrumentos que estavam ao nosso alcance. Para cada ministro acusado de corrupção, apresentamos três ou quatro representações”.
O cientista político Humberto Dantas soma a essa minoria o perfil dos partidos políticos brasileiros. “São partidos predominantemente governistas, formados por pessoas que querem se manter no poder”, afirma Dantas. “A política no Brasil é personalista. É raro o debate de ideias e de projetos para o país. O que existe é uma busca pessoal para se perpetuar no poder, o que é muito mais fácil quando se tem a máquina pública do lado. O PSD é o exemplo mais claro disso. É o partido mais governista que temos hoje”.
Para o historiador Marco Antonio Villa, não basta definir um discurso e encontrar o tom certo. Antes de tudo, a oposição precisa ter a disposição de ser oposição. “No Brasil, o governo quer cooptar a oposição e a oposição geralmente quer ser governo”, diz. “Mas a discussão e o convívio das diferenças são as essências da democracia”. Villa observa que os parlamentares de oposição, além de não agirem como tal, criticam aqueles que fazem o que espera o eleitorado que os elegeu. “Eles dizem que uma oposição combativa dificultará o acesso a créditos e a empréstimos do governo federal. Em qualquer país do mundo, se um estado ou uma prefeitura dependessem disso para receber recursos, causaria uma comoção popular. É absolutamente ilegal”. Villa sustenta que a oposição deve fazer política “24 horas por dia, sete dias por semana, doze meses por ano”.
Ano medíocre - “Em 2011, a discussão política não existiu”, diz Jarbas Vasconcelos. “Na época da ditadura, mesmo com perseguição, tortura e morte, a minoria fazia o debate de ideias, levantava bandeiras. Hoje, a oposição está desanimada. Encara a atual conjuntura como algo muito difícil de ser vencido e fica paralisada”.
Dissidente do PMDB, Jarbas não se inclui entre os abalados pelo desânimo. Ele considera o fisiologismo a principal característica da atual relação entre o Executivo e o Legislativo. Pela primeira vez, o combativo pernambucano, um dos fundadores do MDB e peemedebista desde o nascimento da legenda, pensa em mudar de partido. “Caso fosse feita uma reforma política de verdade, que acabasse com essa indecência, que impedisse que o eleitor, por votar em João, acabasse elegendo também um José, consideraria seriamente a possibilidade de criar uma nova agremiação política e deixar o PMDB”, afirmou. “Você não imagina o que é ser liderado pelo Renan Calheiros e ter o José Sarney presidindo a Casa”.
Para Jarbas, 2011 foi um ano politicamente medíocre em todos os sentidos. “A oposição precisa de união e de especialistas em seus quadros, pessoas que entendam de Petrobras, políticas sociais, estatais”, diz o senador. “Sem isso, o governo pode continuar falando o que quiser e não conseguiremos rebater. Todo mundo sabe que a Petrobras é um antro de corrupção, mas ninguém pode fazer essa acusação institucionalmente, porque não há provas”.
Governo X oposição - Os parlamentares de oposição consideram o desempenho dos governistas igualmente lastimável. “A chamada base aliada ainda não mostrou para o que serve, a não ser para barrar a convocação de ministros pelo Congresso”, diz o senador Aloysio Nunes Ferreira. “Quando assumiu, Dilma apresentou uma extensa pauta legislativa, mas nada saiu do papel”. Jarbas lembra que a presidente não deu um tratamento uniforme para todos os ministros acusados de corrupção. “Variou de partido para partido”, afirma o parlamentar pernambucano. “Ficou clara a defesa do PT e, mesmo assim, a base aliada continuou submissa”. Para Jarbas, é absurdo Dilma defender Fernando Pimentel das acusações de tráfico de influência com o argumento de que as irregularidades aconteceram antes da chegada do ex-prefeito de Belo Horizonte ao ministério. “O político deve explicações à sociedade tanto da vida pública, quanto da privada”, enfatiza. “Lula e os petistas podem não ter inventado a corrupção, mas, sem dúvida, a exacerbaram".
O ex-deputado federal Fernando Gabeira acredita que o processo de oposição no Brasil foi conduzido pelas denúncias da imprensa. “O grande impulso oposicionista aconteceu na sociedade e sem a mediação dos políticos de oposição”.
Gabeira atribui o fraco desempenho à falta de articulação. “No último trimestre, houve o anúncio da completa estagnação da economia e a oposição foi incapaz de levantar a questão”, diz. “A luta parlamentar não se resume à votação de projetos e convocação de CPIs. O processo é mais amplo e é dentro dessa amplitude que a oposição deveria agir. Não me lembro de nenhum grande encontro nacional, de nenhum seminário organizado com a proposta de discutir o Brasil”.
A oposição talvez seja bem menos frágil do que imaginam os senadores e deputados. Nas últimas eleições, 44 milhões de brasileiros votaram contra o governo. O abismo que separa a indignação da sociedade e a falta de entusiasmo da oposição sugere a falta de representantes para esse eleitorado. Os eleitos esqueceram o que Fernando Henrique Cardoso, num artigo para a revista Interesse Nacional, considerou “óbvio e quase ridículo de escrever”: cabe às oposições se oporem ao governo.
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