Na neoclássica Casa Tartini – local de nascimento do compositor – uma mulher corpulenta com cabelo fúcsia me recebeu com um ousado “Buona Sera!”.
Encontrei meu lugar em meio a alguns casais trocando fofocas locais na língua de Dante, quando abri a programação e passei pelos sobrenomes dos pianistas da noite: Mihailic, Pocecco, Levanic, Prodi.
Esloveno, italiano, esloveno, italiano.
A mistura bicultural estava começando a fazer a minha cabeça girar. Em que terra estranha eu havia chegado? O híbrido ítalo-eslavo na costa da Eslovênia é apenas uma das muitas surpresas neste pequeno país de cerca de 2 milhões de pessoas. Em junho, viajei pela extensão do país de ônibus e de trem – por cidades, ao longo de costas, sobre montanhas – e encontrei mais surpresas: castelos de contos de fada, designers de entalhes, vinhos feitos por monges, uma planta frutífera que aparece nos recordes mundiais do Guinness e peixes humanos (o melhor fica para o final). E há também a folclórica cidade de Maribor, construída pelos Habsburgos austríacos e nomeada como Capital Europeia da Cultura para 2012.
Talvez a maior surpresa seja simplesmente a existência da Eslovênia, que está comemorando seu 20º aniversário como país independente este ano. Desde a Idade Média, a terra do povo esloveno tem sido repetidamente absorvida por impérios e ditaduras – os mercantis venezianos (por isso, a influência italiana), o Império Austríaco (e depois Austro-Húngaro) e finalmente a Iugoslávia, da qual os eslovenos se separaram em 1991, após uma guerra de dez dias contra o exército iugoslavo.
O passar dos anos mostra uma forte tendência rumo à integração europeia. A Eslovênia foi admitida na União Europeia em 2004 e adotou o euro em 2007.
Andrew Testa/The New York Times
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A principal atração é certamente Ljubljana, cidade que transborda a glória dos Habsburgos. Depois de jogar minha mala no meu quarto revestido de madeira no barato, mas alegre Hotel Center, logo me perdi em alamedas de paralelepípedo com casas medievais alinhadas, igrejas barrocas e imponentes edifícios do século 19 – e muitas aberrações de concreto, deixadas de décadas de socialismo iugoslavo.
Apesar de apenas 280 mil eslovenos viverem na capital – incluindo cerca de 50 mil estudantes – a cidade parecia cheia de energia. Pôsteres anunciavam novos lugares como o Kino Siska, um antigo cinema transformado em uma casa de espetáculos. Em todo lugar, eslovenos bem vestidos passavam em bicicletas. Comparado com a antiga capital iugoslava de Belgrado, Sérvia, Ljubljana parecia um tipo de Copenhague eslava, um retrato da eficiência e da prosperidade.
“Historicamente pertencemos mais ao Império Austro-Húngaro e ao oeste, então sempre estivemos um pouco separados, esta pequena bolha que não se encaixava completamente” na Iugoslávia, disse Tanja Pak, designer de vidros perto dos 30 anos, quando estávamos tomando água misturada com suco de sambucu em seu bar em Ljubljana.
Comparado com seus primos na Bósnia, Sérvia e outras antigas partes da Iugoslávia, “sempre achamos que éramos mais organizados”, continuou ela em um inglês excelente, algo que quase todos com menos de 40 anos parecem falar.
Naquela noite, um bonde subiu a colina florestada no centro da cidade e me deixou no Castelo Ljubljana para uma refeição em seu novo restaurante no quintal, Gostilna na Gradu. O estabelecimento de um ano se orgulha de usar produtos orgânicos e resgatar antigas receitas eslovenas em vez de servir a mesma mistura previsível de pratos italianos, austríacos e sérvios, como maioria dos restaurantes locais faz. Logo os garçons estavam se apressando para me servir um amuse-bouche feito de pedaços de gordura de porco defumada, acompanhada de língua de boi finamente fatiada e um robusto ravióli de batata rodeado com guisado de cordeiro.
De manhã, um ônibus me levou por uma paisagem de florestas de pinheiros e distantes colinas chanfradas. Após duas horas, um dos segredos mais bem guardados de Eslovênia se abriu no horizonte: o infinito azul do Adriático.
Andrew Testa/The New York Times
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Mais tarde, ao me perder em vias escuras, alguns corpos animados apareceram.
“Questa chiesa...”, um guia estava dizendo a um grupo de turistas italiano, ao andarem pela fachada amarela a igreja de Nossa Senhora da Consolação do século 15. Estavam viajando por detalhes de muitas casas de louvor medievais de Piran: os mosteiros arcados da Igreja de São Francisco de Assis, a retangular torre do relógio da Igreja de São Jorge, que é uma réplica do Campanário de São Marco, em Veneza.
O clima ficou chuvoso na longa jornada de ônibus e trem para Maribor, exótica cidade de pedra e madeira perto da fronteira austríaca. Casas em tom pastel desaparecem, substituídas por impassíveis edifícios dos Habsburgos.
Atrás deles se elevavam as verdes montanhas Pohorje, entalhadas por pistas de esqui esperando a neve do inverno. Atrás delas, colinas e campos floresciam com uvas.
Pôsteres e painéis em torno das ruas de paralelepípedos anunciavam a fama da cidade como Capital Europeia da Cultura no próximo ano, mas eu estava procurando um tipo diferente de cultura: a vinicultura.
“Pela maior parte dos últimos 20 anos, nossos produtores de vinho estavam dormindo um pouco”, disse Sasa Arsenovic, proprietária do restaurante Rozmarin, ao tomarmos um merlot esloveno e falarmos sobre a longa história da fabricação local de vinhos. “Porém, nos últimos cinco anos eles começaram a acordar”.
Enquanto os fabricantes de vinho da região começaram a emergir de seu sono, as ruas de paralelepípedo de Maribor começaram a encher de restaurantes de vinho e salas de degustação, às vezes em lugares incomuns.
Andrew Testa/The New York Times
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Preparado há mais de 400 anos com uvas vermelhas zametovka, o vinho sobreviveu à invasão dos turcos otomanos, suportou o exército de Napoleão, quando dominaram a Eslovênia por alguns anos, emergiu de duas guerras mundiais, enfrentou a escuridão das décadas pós-guerra e finalmente encontrou a glória em 2007 com a criação da Casa de Vinhos Antigos, que é ao mesmo tempo um museu e uma loja de vinhos.
“No ano passado, produziu 59 quilos de uvas”, contou-me a jovem diretora Vesna Horvat. A próxima colheita, ela garantiu, seria a ocasião para uma festa municipal a Baco.
Perguntei se poderíamos experimentar o vinho. Ela chacoalhou a cabeça.
“Colocamos o vinho em garrafas muito pequenas de 2,5 decilitros e as usamos como presente de protocolo”, disse ela. “São apenas para visitantes oficiais. Bill Clinton possui uma, assim como Arnold Schwarzenneger, o papa e o imperador do Japão”.
Desconsolado, decidi afogar minhas mágoas no bar do museu. Logo um jovem guia chamado Jernej Lunet estava servindo um rosê da marca Gaube e um welschriesling doce de Vinag. Lubet explicou que o fabricante de vinhos, Dveri-Pax, é operado por uma ordem de monges beneditinos que esteve nas proximidades desde o século 12.
Andrew Testa/The New York Times
A surpresa final da Eslovênia vivia na região montanhosa, abaixo do vilarejo de Postojna. Próximo a um túnel cavado em uma colina, me juntei a outros turistas e embarquei em um estreito trem que seguia para a Caverna Postojna.
O trem parou e nossa guia, Katja, explicou que os 21 quilômetros de cavernas e as formações rochosas selvagens eram formados pela erosão e pelo gotejamento da água do Rio Pivka.
Nosso grupo seguiu a pé, serpenteando para as espirais das vísceras da natureza, por canais claustrofóbicos e câmaras similares às de catedrais.
Logo, uma cápsula de vidro e metal do tamanho de um caminhão se materializou. Dentro, pálidas criaturas similares a salamandras agarravam-se às rochas. Esses eram os Proteus anguinus, moradores de profundas cavernas, transferidos para esse habitat artificial.
“Nós os chamamos de 'peixes humanos’ por duas razões”, disse Katja. “Uma é porque podem viver até 100 anos, como nós. E também porque têm a pele branca, como a nossa”.
Um grupo embarcou no trem e retornou pela escuridão, contemplando o que haviam testemunhado: pouco conhecido, acidentadamente belo e povoado com personagens inesperados. Por um momento, esse curioso mundo subterrâneo parecia a perfeita metáfora para a Eslovênia em si.
The New York Times News Service/Syndicate - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times._NYT_
O trem parou e nossa guia, Katja, explicou que os 21 quilômetros de cavernas e as formações rochosas selvagens eram formados pela erosão e pelo gotejamento da água do Rio Pivka.
Nosso grupo seguiu a pé, serpenteando para as espirais das vísceras da natureza, por canais claustrofóbicos e câmaras similares às de catedrais.
Logo, uma cápsula de vidro e metal do tamanho de um caminhão se materializou. Dentro, pálidas criaturas similares a salamandras agarravam-se às rochas. Esses eram os Proteus anguinus, moradores de profundas cavernas, transferidos para esse habitat artificial.
“Nós os chamamos de 'peixes humanos’ por duas razões”, disse Katja. “Uma é porque podem viver até 100 anos, como nós. E também porque têm a pele branca, como a nossa”.
Um grupo embarcou no trem e retornou pela escuridão, contemplando o que haviam testemunhado: pouco conhecido, acidentadamente belo e povoado com personagens inesperados. Por um momento, esse curioso mundo subterrâneo parecia a perfeita metáfora para a Eslovênia em si.
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