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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Aloysio Nunes Ferreira: “Político ladrão é ladrão em qualquer sistema”


O senador do PSDB diz que o financiamento público não acabará com o caixa dois nas campanhas eleitorais e que a Comissão da Verdade não deve ter limites


SEM ENROLAÇÃO O senador Aloysio Nunes Ferreira no plenário do Senado. Ele diz que a Comissão da Verdade não vai promover uma reconciliação por força da lei  (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) é reto e direto em suas declarações. Escolhido na semana passada relator do projeto da Comissão da Verdade, ele afirma que não deve haver limites para apurar violações de direitos humanos cometidas durante o período da ditadura militar (1964-1985). Ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Ferreira diz que a comissão deve tratar abertamente de abusos tanto dos militares como da esquerda. Nesta entrevista a ÉPOCA, Ferreira trata ainda das disputas no PSDB, da fraqueza da oposição, da criação do PSD e ataca a proposta de instituição de financiamento público nas campanhas eleitorais. “Acho hipocrisia dizer que financiamento público é o antídoto contra a corrupção”, afirma.
ÉPOCA – O senador Aécio Neves se declarou candidato à Presidência em 2014. O ex-governador José Serra disse que é cedo falar nisso. Essa disputa vai se manter até lá?
Aloysio – O fato de o senador Aécio dizer que está disposto a enfrentar a eleição é um segredo de polichinelo. Todos nós sabemos disso. E também a inconveniência de lançamento de candidaturas agora é apontada por todas as lideranças que têm um mínimo de responsabilidade com o partido como algo que deve ser evitado. Porque coloca em risco a unidade de que nós precisamos para levar adiante nossa tarefa de oposição. Acho importante começar a discutir, sim, o mecanismo de escolha do candidato. Eu sou favorável a uma prévia ampla, de que participem todos os filiados – e isso implica um trabalho de reorganização.

ÉPOCA – Por que o senhor reclamou, no Twitter, quando a seção paulista do PSDB o excluiu – e ao ex-governador José Serra – do programa de TV?
Aloysio –
(Rindo) Veja bem: eu abandonei o centralismo democrático há muitos anos! Exprimi (minha opinião) publicamente porque sou assim: quando fico de saco cheio, eu estrilo (ri). Agora, eu quero dizer que não tenho nenhuma divergência de fundo com o PSDB de São Paulo. E tenho um entendimento harmonioso com o governador Geraldo Alckmin – que nada tem a ver com isso.

ÉPOCA – O PSDB é um partido desarticulado?
Aloysio –
Nós temos falhas graves do ponto de vista da organização. Em alguns Estados, como Amazonas e Ceará, nossa estrutura foi aniquilada por uma campanha pessoal do Lula. No Nordeste, com exceção de Alagoas, nossa posição é grave. Não é possível que tenhamos chegado ao grau que chegamos de esvaziamento político no Rio de Janeiro. O PSDB em Santa Catarina e no Paraná tem antagonismos graves.

ÉPOCA – Qual é a situação da oposição no Senado?
Aloysio –
Nós fazemos o que é possível fazer, com as forças minguadas que temos. Acontece que o Congresso não está em odor de santidade perante a opinião pública. O governo tem uma pauta legislativa paupérrima – com exceção da Comissão da Verdade. Estamos fazendo o possível para atravessar esse deserto. Nós ainda não temos um Moisés para nos guiar, mas temos alguma reserva de água (rindo).

ÉPOCA – A reforma política vai sair?
Aloysio –
Não vai acontecer nada de relevante. A única mudança que teria um efeito positivo é o fim da coligação nas eleições proporcionais.

ÉPOCA – O que o senhor acha do financiamento público para as campanhas eleitorais?
Aloysio –
Sou contra. Eu acho que nós já temos bastante dinheiro público nas eleições, quase R$ 1 bilhão. Se nós compararmos os gastos declarados pelos partidos nas últimas eleições, R$ 3,2 bilhões, com o projeto de criação de um fundo de financiamento público de R$ 1 bilhão, em discussão no Senado, cabe uma pergunta: de onde viria essa diferença (de R$ 2,2 bilhões)? Viria do caixa dois! Eu acho hipocrisia dizer que financiamento público é o antídoto contra a corrupção. Isso é para legitimar a tese do Lula e do PT de que o mensalão era para financiar campanhas.

ÉPOCA – A reforma política vai se prestar a esse serviço?
Aloysio –
Já está se prestando. A tese do PT e do Lula é que o financiamento público é a fórmula para combater a corrupção. Político que rouba, rouba para ficar rico. Político que está bem politicamente não precisa catar dinheiro fora do período eleitoral. Quem rouba é para ficar rico, para ter um nível de vida acima do que seu rendimento lícito permite. Político que é ladrão, é ladrão em qualquer sistema: financiamento público, privado. Está aí para roubar.

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O PMDB era o partido ônibus. O PSD é um partido van: cabe muita gente, só que é menor. Mas tem a vantagem de entrar em qualquer lugar "

ÉPOCA – O que o senhor acha da criação do PSD?
Aloysio –
O presidente Fernando Henrique, uma vez, escreveu um artigo sobre a natureza do PMDB, do qual ele era membro. Era o partido em que cabiam todos que eram contra a ditadura. Ele qualificou o PMDB de partido ônibus, no sentido de omnibus, de todos. O PSD é um partido van: cabe muita gente, só que é menor e tem a vantagem de entrar em qualquer lugar! (rindo). Em uma passagem do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, aparece um personagem, o confeiteiro Custódio. O confeiteiro Custódio resolveu reformar a placa da confeitaria dele no momento em que caiu a monarquia (1889). A confeitaria se chamava Confeitaria do Império. Ele, então, pediu ao artesão que substituísse o nome para Confeitaria da República. Depois, preocupado com a instabilidade do novo regime, resolveu pôr o nome de Confeitaria do Governo. Mas, sabendo que todo governo implica em oposição, ele, para não ficar mal com a oposição, resolveu chamar de Confeitaria do Custódio (rindo). O partido do (prefeito Gilberto) Kassab se infiltrou por essa zona de sombra entre governo e oposição. O Kassab é um profissional da política muito qualificado e um aliado leal. Agora, ele ainda precisa gerar um projeto nacional.

ÉPOCA – Por que é preciso instituir a Comissão da Verdade?
Aloysio –
O objetivo da Comissão da Verdade é contribuir para a apuração das violações de direitos humanos que ocorreram durante a ditadura. É um período de esforço concentrado para buscar resolver questões que as investigações anteriores não conseguiram desvendar. Essa busca não vai ser concluída pela formulação de uma verdade oficial. Acho que ela vai contribuir para a história se conseguir abrir dossiês que continuam envoltos num mistério.

ÉPOCA – O senhor teme que setores militares, contrários à Comissão, procurem usá-la para acusar a esquerda?
Aloysio -
Deve-se examinar esse passado sem restrição, sem medo. Houve atos terroristas praticados pelas organizações que lutavam contra a ditadura. O atentado à bomba contra o quartel do 2º Exército (em 1968), que resultou na morte do soldado Mário Kozel, foi um ato terrorista. A bomba que foi colocada no aeroporto de Guararapes, no Recife (1966), e a bomba contra o consulado americano em São Paulo (1968) foram atos terroristas. Houve casos que, mesmo da ótica daqueles que lutaram contra o regime, são absolutamente injustificáveis – como o assassinato do militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) Márcio Toledo por seus companheiros.

ÉPOCA – O senhor foi da ALN.
Aloysio –
Fui. Durante um período, fui. Essas coisas têm de ser colocadas com clareza. Se os militares quiserem colocar esses assuntos, por que não discuti-los? Eu não saberia traçar limites à ação da Comissão da Verdade. Embora, no meu entender, ela não vá formular a verdade oficial nem promover uma reconciliação por força da lei.

Época

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