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domingo, 30 de outubro de 2011

O câncer não é instrumento de vingança política, não é uma lição de vida, não é um livro didático! Ele só ensina que é preciso vencê-lo. Nada mais!


 Eu espero, de verdade!, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recupere plenamente. E peço aos leitores que sejam comedidos ao relacionar críticas de natureza política ao estado de saúde do petista. Cortei alguns comentários que me pareceram além do aceitável, o que não quer dizer que eu concorde com muitos outros que foram publicados. A doença de Lula não pode cercear a liberdade de expressão, mas costumo apelar, em momentos assim, a uma palavra que me é muito cara: decoro. Não existe decoro sem ponderação.

Boa parte do que Lula representa, a meu juízo, tem de ser vencido se quisermos um país responsável, mas é o amadurecimento da sociedade brasileira que tem de lograr esse propósito. Que ele continue com saúde para que possa ser enfrentado por aquilo que pensa, diz e faz. Repito aqui, pois, a recomendação que fiz por ocasião da doença da então ministra Dilma Rousseff. Sim, foram os petistas a transformar o câncer da agora presidente em ativo eleitoral, o que apontei aqui. Marco Aurélio Garcia chegou a sugerir que aquilo poderia render votos. Talvez façam o mesmo com Lula, tão logo ele esteja bem, sendo apontado como a nova Fênix nos palanques de 2012. Hugo Chávez leva ao paroxismo a exploração vigarista de seu mal. Se os petistas repetirem a dose, cumpre denunciá-los, como denunciei a manipulação no caso Dilma. Mas nada disso deve levar os que não simpatizam com o petismo a cruzar a linha do bom senso e do bom gosto. Comportamento de petista não é um padrão que se deva usar para balizar o nosso próprio comportamento.
Já escrevi isso aqui e lembro ainda uma vez. Quando extraí dois tumores do crânio, em 2006, conheci de perto as piores baixezas — e, de certo modo, conheço ainda. Basta eu informar aqui que me ausentei por algum tempo ou que atrasei um pouco a postagem porque tinha ido ao médico, e lá vem a corrente dos sórdidos, fazendo sempre os piores votos: os delicados pedem a minha morte; os brutos não são tão generosos…
Nada disso, minhas caras, meus caros! Somos gente de outra natureza. Naquele 2006, uma pessoa que eu considerava amiga, mas com quem mantinha severas divergências, enviou-me, um dia antes da minha internação, um e-mail — que ela deve ter julgado muito terno e amigo —, em que misturava as nossas diferenças ideológicas com o meu estado de saúde. Eu sou cristão, fazer o quê? Confesso que já tentei renunciar à fé, mas não consegui. Consolar os aflitos é coisa que voa nas asas dos anjos. Fazer votos para que um doente “saia melhor” e “mais lúcido” do sofrimento cheira a enxofre. Nunca mais foi minha amiga, nunca mais mereceu nada além do meu desprezo e do meu asco.
Que Lula se recupere, sim! Para que possamos dizer a ele que está errado em muita coisa. Para que sirva de referência, saudável e lúcida — dada a lucidez possível de seu pensamento —, de uma porção de coisas que não queremos para o Brasil.
O câncer não é instrumento de vingança política, não é uma lição de vida, não é um livro didático! Ele só ensina que é preciso vencê-lo. Nada mais!
A educação pelo câncer
Enviam-me aqui um texto de Gilberto Dimenstein, um dos monopolistas da bondade de que a nossa imprensa anda cheia. O título de sua crônica é este: “Câncer de Lula vai servir de lição”. Santo Deus! Segundo o jornalista, “o país vai conhecer, como nunca conheceu, os efeitos no cigarro, apesar de tantas campanhas realizadas há tanto tempo.” Ele lembra que o tumor do ex-presidente apareceu “justamente na laringe, por onde passa a habilidade de Lula em convencer as pessoas em seus discursos.” Achou que era pouco e avançou na conclusão: “Infelizmente é desse jeito, com as pessoas sentindo-se próximas e vulneráveis diante de uma ameaça, que se consegue mudar atitudes.”
Dimenstein lembra aquele meu interlocutor, que passou a merecer o meu desprezo. O sentido de sua crônica horrível é este: “Viu? Quem  mandou fumar?” Não pára aí: “Justo na laringe, hein???” E encerra com um norte moral: O terror é didático.
É claro que já antevejo todas as pautas que vão pipocar sobre o câncer de laringe e sua relação com o cigarro. Dado o contexto, fazem sentido. Lula é personalidade pública. O que acontece a pessoas como ele tem sempre grande repercussão. Mas eu realmente repudio essa tentativa de se ver a doença pelas lentes de uma espécie de moral, ainda mais quando se conclui que o medo ilumina a razão.
Em síntese: Lula não está doente porque quer, não está doente porque merece, não está doente para ter uma lição de vida. Estará hoje nas minhas orações. Doenças não tornam a gente nem melhor nem pior. Elas só nos ensinam que é preciso vencê-las. O resto é mistificação de tolos que acreditam na didática ou na pedagogia do tumor. Por alguma razão, certo cretinismo pretende que um nódulo vai ensinar aos doentes o que não lhes ensinaram nem Deus nem a ciência.
Torço para que Lula saia incólume dessa. Força aí, meu Apedeuta!
Texto publicado originalmente às 19h48 deste sábado
Por Reinaldo Azevedo

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