Novo romance do humorista fala de serial killer obcecado por gordas. Vale uma tarde de leitura - sem lanchinhos
Maria Carolina Maia
Jô Soares: gordas morrem sufocadas por comida (Otávio Dias de Oliveira)
“– Exitus Gula Demonium! Exitus Gula Demonium! Exitus Gula Demonium! Exitus Gula Demonium!
Irmã Maria Auxiliadora procura acompanhar-lhe a cadência, mas engasga na folha fina dos pastéis. Sofre um acesso de tosse. Tenta comer tossindo, o que se revela impossível. Nem mesmo a devoção da freira vence a barreira da física. Nesse instante, Caronte pega um punhado dos poucos pastéis que sobraram e soca-lhe goela abaixo. Num meneio, como um toureiro volteando a muleta, ele passa-lhe a estola tapando-lhe a boca e aperta o laço.
Antes de sufocar, polvilhada de açúcar de confeiteiro, irmã Maria Auxiliadora observa, horrorizada, a frente da batina de Caronte erguida pelo seu membro intumescido.”
Irmã Maria Auxiliadora procura acompanhar-lhe a cadência, mas engasga na folha fina dos pastéis. Sofre um acesso de tosse. Tenta comer tossindo, o que se revela impossível. Nem mesmo a devoção da freira vence a barreira da física. Nesse instante, Caronte pega um punhado dos poucos pastéis que sobraram e soca-lhe goela abaixo. Num meneio, como um toureiro volteando a muleta, ele passa-lhe a estola tapando-lhe a boca e aperta o laço.
Antes de sufocar, polvilhada de açúcar de confeiteiro, irmã Maria Auxiliadora observa, horrorizada, a frente da batina de Caronte erguida pelo seu membro intumescido.”
Se o leitor sabe logo no início quem é o assassino, resta-lhe o suspense sobre a sua captura. Assim, por quase todo o livro se acompanha um divertido grupo à caça do serial killer: um delegado mal-humorado, seu assistente medroso e débil, uma moderna jornalista da revista O Cruzeiro e um ex-policial português inteligente. Piada pronta, ora pois, o gajo foi até amigo e personagem de Fernando Pessoa – o Esteves sem metafísica de Tabacaria, também tomado emprestado pelo escritor Valter Hugo Mãe para o seu A Máquina de Fazer Espanhóis (Cosac Naify, 256 páginas, 39 reais). É principalmente a partir das aventuras desse grupo, na busca pelo criminoso ou em incursões pela vida civil do Rio de Janeiro de 1938, ano de nascimento de Jô, que se dão as piadas nem sempre hilárias do romance.
Há passagens divertidas, sem dúvida, que garantirão ao menos um sorriso do leitor. Jô Soares é autor de entretenimento e se sai bem repetindo a fórmula de seus três livros anteriores, que juntos venderam mais de 1 milhão de cópias. As Esganadas, que sai com tiragem de 80.000, tem tiradas espirituosas e um pano de fundo interessante, povoado por personagens reais como Filinto Müller, o chefe da polícia política de Vargas, e Lourival Fontes, o ministro da propaganda. “Calma, para tudo tem saída”, solta Fontes após a tragédia que toma o Theatro Municipal do Rio na noite em que o Brasil e a Alemanha nazista estreitariam laços diplomáticos com uma ópera de Wagner – a tragédia é o surgimento, no palco, do cadáver de uma das vítimas do serial killer Caronte. “O meu departamento pode divulgar pela imprensa que se trata de um complô comunista”, explica o ministro.
Mas o romance perde com os excessos: com o uso de piadas antigas e com o didatismo que faz lembrar as vezes em que o humorista, em seu programa na Globo, interrompe o entrevistado para deitar conhecimento. Há tanta informação histórica que a bibliografia presente no final da obra lista quase vinte títulos consultados pelo autor. As Esganadas não é, de fato, um novo O Xangô de Baker Street. Mas vale uma tarde de leitura. De preferência, sem lanchinhos.
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