Entrevista
Autor do livro As Raízes do Riso, sobre a gênese do humor no país, mostra como características culturais estão impregnadas no nosso jeito de fazer rir
Rodrigo Levino
Fada Santoro e Cyll Farney, astros dos filmes da Atlântida, passando pelos fãs a caminho de uma sessão do filme "Luzes da Ribalta", de Charles Chaplin, no Cine Copacabana (Divulgação) Segundo o historiador, foi na Belle Époque brasileira – período compreendido entre as duas décadas finais do século XIX e o fim da 1ª. Guerra Mundial, em 1918 – que surgiu esse humor, no esteio do jornalismo moderno e suas seções fixas de humor e de caricaturas. Mais tarde, no teatro, no rádio e no cinema, o humor frutificou. A partir do abrasileiramento de formatos ingleses e italianos já consagrados, surgiram programas hoje clássicos como o Balança Mas Não Cai, sucesso do rádio nos anos 1930 e 1940 que lançou personagens até hoje usados pela televisão como Ofélia e Fernandinho. E o cinema das chanchadas, da lendária produtora Atlântica, que mesclava musicais com o humor radiofônico. A partir da década de 1950, essas mídias forneceram para a televisão atores, diretores, textos e formatos.
Na segunda etapa do século, viradas se deram com o Pasquim, jornal que cutucou a ditadura militar com humor e picardia, e com a influência do Monthy Python, que na Inglaterra emparedou o conservadorismo político, no final da década de 1970, e aqui deu impulso a programas como a TV Pirata e o Casseta & Planeta, levados ao ar entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990. Até hoje, pouco há de renovação nesses formatos consagrados. Há um quê de humor de rádio em programas como Zorra Total e A Praça É Nossa, por exemplo. “Em algumas épocas, sobretudo as de forte censura, o humor funcionou como válvula de escape, já que possui vocação intrínseca para revelar verdades escondidas sob o véu da mera diversão”, diz Saliba.
O stand up, embora só agora tenha virado febre no país, já está por aqui desde a década de 1960, representado pelo recém-falecido humorista José Vasconcellos. E não só com ele. Outros veteranos do humor experimentaram o gênero. Conhecidos principalmente por seus trabalhos na televisão, como os já clássicos Chico City, Satiricom e Planeta dos Homens, nomes como Jô Soares e Chico Anysio já faziam uso do formato desde os anos 1960. Na antiga TV Tupi, Anysio enfrentava a plateia munido de um microfone – e de verve.
Renascido como novidade em meados dos anos 2000 com auxílio da internet, o gênero revelou uma nova leva de humoristas que, assim como se deu no começo do século passado com o rádio e o cinema, migraram da web para a televisão. Na TV, o humor de clubes e pequenos palcos ganhou amplitude nacional com os participantes do CQC, exibido pela Band, assim como o grupo em torno de Marcelo Adnet, que levou elementos desse formato para a MTV. O movimento deu aos humoristas audiência, mas também limitações e riscos, além de críticas e debates sobre os textos que criam ou improvisam. Piadas com teor de bullying são defendidas pelos autores como o sagrado direito ao politicamente correto, quando o que está em jogo é, na realidade, a qualidade artística do texto.
As discussões de hoje são, segundo o autor de As Raízes do Riso, um fato raro no Brasil, onde os debates em torno do humor se instalaram, mais comumente, em períodos de crise política e institucional. Mais um exemplo do jeitinho brasileiro de lidar com as coisas, por certo. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista de Elias Thomé Saliba.
Houve um momento, como o que se vê agora, em que o humor pautou um debate de proporção nacional? Em especial, nenhum momento. Em algumas épocas, sobretudo as de forte censura (informal ou institucional), o humor funcionou como válvula de escape, já que possui vocação intrínseca para revelar verdades escondidas sob o véu da mera diversão. É aí que a produção humorística atua como catalisadora das insatisfações e da impotência política da maioria da população. Um momento criativo, no Brasil, é aquele que vem logo após o império: é o que chamo de “humor da desilusão republicana”. Outro período muito criativo do humor nacional foi a época da campanha Civilista (1909-1910), quando se abriu a primeira grande crise na sucessão presidencial (São Paulo e Minas Gerais se viram em lados opostos na disputa, quebrando a política do café-com-leite). Outros momentos em que o humor serviu como instrumento de crítica política direta foram os períodos ditatoriais ou autoritários: a era Vargas (1930-1945) e a dos governos militares (1964-1979).
Qual o principal elemento do humor produzido no Brasil? A eterna confusão entre as esferas pública e privada e a nossa vocação – que temos esperança de superar – para tratar tudo de maneira emocional, reduzindo as distâncias sociais. Chamamos esta vocação para a cordialidade de Síndrome de Santa Terezinha. No Brasil, a santa francesa Thereza de Lisieux se transforma em Terezinha – ou seja, até os santos partilham de nossa vida privada, tornando-se mais próximos de nós. Usamos de diminutivos para quebrar hierarquias e tornar tudo próximo, porque temos horror às distâncias sociais, que são enormes.
E em relação ao papel social do riso, o que se pode dizer? O riso é arma social para os impotentes. No decorrer da história, o riso popular permitiu que se criasse, cada vez mais, uma cultura da divergência, ativa e oculta – o que mostra como o humor se tornou arma contra regimes repressivos. Se não se pode mudar a história real, muda-se o sentido dela. O riso, a piada é, essencialmente, reversão de significado.
O humor brasileiro é, portanto, reflexo da nossa identidade? Da nossa falta de identidade. Somos uma sociedade mal costurada, que sempre praticou a exclusão. Brasileiros só se sentem brasileiros em momentos emocionais, rápidos e circunstanciais. O humor funciona como o carnaval e o futebol para o brasileiro ter este momento efêmero e emocional de identidade. A piada é o paradigma do efêmero. Nas últimas décadas, isso se acentuou, visto que as promessas trazidas pela redemocratização do país estancaram na corrupção crônica – institucionalizada pela impunidade –, numa política social remediadora e na tibieza dos partidos e organizações políticas.
Veja

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