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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Somos sempre culpados de tudo! Ou: A cracolândia não é a Comuna de Paris

O virtual candidato do PT à Prefeitura de São Paulo e ainda ministro da Educação, Fernando Haddad, não se conteve e atacou a ação da Prefeitura e do governo paulista na Cracolândia. Ele a considerou “desastrada”. Os alunos que fizeram o Enem conhecem bem as habilidades deste senhor… A declaração é só mais uma manifestação da estupefaciente falta de pudor de boa parte dos homens públicos brasileiros. Por enquanto, Haddad é ministro - e de todos os brasileiros. Mais: pertence a uma pasta que não está relacionada ao problema. Opinar a respeito antes de deixar o Ministério da Educação é uma evidência da politização a que o PT submeteu o tema. Este blog, vocês se lembram, a denunciou desde o primeiro dia. O QG da resistência foi criado na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e seu comandante foi um tal Ramais de Castro Silveira, secretário-executivo da pasta. Em seguida, veio a mobilização das franjas do partido no Ministério Público e na Defensoria. A detestável exploração eleitoreira do tema só serve para confundir ainda mais as variáveis e para nos afastar da verdadeira natureza do problema. Começo o texto lastimando mais uma declaração estúpida de Haddad (já houve outra, que ainda relembrarei), mas ele não é o objeto deste post. Sigamos.
Eu sempre defendi, como já demonstrei, que as Forças Armadas expulsassem o narcotráfico dos morros do Rio e sempre fui favorável a uma intervenção também repressiva na cracolândia. O fato de haver lá um problema de saúde não implica que inexista um outro, que é de polícia - de segurança pública.  Não se faculta nem mesmo a doentes, reitero, sitiar pessoas em suas casas e privatizar o espaço público. O debate político, e até ideológico, no entanto, acaba nos afastando de algumas questões importantes. A mais relevante, parece-me, é esta: é preciso tomar cuidado para que não se aplique aos viciados uma espécie de modelo Pavlov às avessas, que consiste na recompensa da transgressão. Explico-me.
É preciso tomar cuidado com o discurso da pura “medicalização” das drogas para que não se caia numa grossa e estúpida mentira: a de que o viciado sempre foi não mais do que vítima da sociedade - no fundo, seríamos nós os seus algozes (ver post abaixo). É, por exemplo, o que está escrito, ainda que com outras palavras, no libelo acusatório de quatro representantes do Ministério Público Estadual ao decidir instaurar um Inquérito Civil Público para apurar detalhes da operação - inquérito que já veio com a conclusão antes mesmo da apuração, é bom lembrar!. A PM, naquele texto - depois, ensaiou-se um recuo -, é tratada como um anátema. Os promotores têm o roteiro completo da “recuperação” do viciado, que passa até pela concessão de uma moradia digna. Em outras palavras: os senhores promotores acreditam que a sociedade deve oferecer aos que se drogam uma vida sem privações para ver se eles param de… se drogar!
Há algo de muito errado nessa relação, é evidente! A droga não é uma doença que se contrai no ar. Não é uma verminose ou uma virose que toma o corpo do doente sem a sua prévia autorização. Torrem-se alguns bilhões - se os houver!!! - no tratamento dos dependentes químicos (ao Estado, diga-se, está até mesmo a incumbência de refazer os laços do “doente” com a família), e há uma chance gigantesca de o procedimento gerar ainda mais… dependentes químicos! Sem o devido trabalho de educação e DE REPRESSÃO, há o risco de estarmos, como chamarei?, estatizando os nossos viciados, que passarão a ser, então, estado-dependentes.
A segregação à moda cracolândia não é uma resposta aceitável, sabemos. Mas ai da sociedade que decidir fazer dos drogados indivíduos socialmente integrados “enquanto drogados”, como se a decisão de consumir determinadas substância fosse algo que só diz respeito à sua vida privada, mas a obrigação e o custo do tratamento fosse uma questão coletiva, uma obrigação nossa! O custo dessa operação seria um buraco sem fundo e… sem fundos!
Por que escrevo isso? Ora, observemos o andamento do debate. Está em curso o casamento perverso do discurso da medicalização com o da cidadania. O viciado seria alguém que exerce as suas prerrogativas de cidadão quando se droga - por isso a polícia não poderia “entrar” na cracolândia - e quando demanda que o estado o recompense pela besteira que fez com um “tratamento digno” e, como querem os promotores, com casa, comida e roupa lavada. É a isso que chamo de Pavlov às avessas, de “recompensa da transgressão”.
Haverá recursos para tanto?  Vamos ver. “Mas, afinal, qual é o seu mundo, Reinaldo, o que você quer?” Eu? Bem, no “meu” mundo, viciados em crack ou em jujuba não cercam áreas públicas nem fazem refém uma parcela da população. E se insisterem? Ah, aí a gente conversa? E se não recuarem? Que tal umas balas de borracha? É claro que elas não tratam dependentes químicos. Servem apenas para abrir caminho quando não há outro meio. No meu mundo, o tráfico tem de ser severamente combatido, e os dependentes arcam com o custo de suas escolhas. Antes deles, eu me ocuparia das crianças mortas pela diarréia e das cinco mil pessoas que morrem todo ano de tuberculose - hoje uma doença da pobreza.
Mas não sou e não serei governo! Que se façam as clínicas, centros de recuperação, sei lá mais o quê! Mas que o dependente tratado seja também considerado um portador de deveres, não só um agente de direitos.
Ah, e Haddad? É aquele rapaz que, ao criticar a também correta ação da PM na USP, afirmou que “não se pode tratar a USP como se fosse a cracolândia e a cracolândia como se fosse a USP”. É verdade! A cracolândia, aliás, também não é a Comuna de Paris…
Por Reinaldo Azevedo

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